Rotimi Fani Kayode. Fotografía negra, africana y homosexual

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Cargo of Middle Passage, 1989

Cargo of Middle Passage, 1989

Por Cristina Civale


La galería Light Work de Siracusa, New York, en asociación con Autograph ABP de Londres expone por estos días una muestra del nigeriano Rotimi Fani Kayode (1955-1989), un artista que fue –con su vida breve– faro de su generación por negro, por homosexual, por valiente. Fue él mismo quien declaró casi como un statement que “lo que hago es fotografía, pero es fotografía negra, africana, homosexual. Para mí no es sólo un instrumento sino un arma ya que estoy decidido a defender los ataques a mi integridad y a mi estilo de vida”. Su vida corta pero intensa alcanzó para marcar un hito y un legado en su generación. Al mirar sus fotos se entiende cómo vivió un gay de raíces africanas y yorubas la sexualidad masculina en el contexto de un mundo dominado por los blancos (nació en Lagos, Nigeria, pero a los 11 su familia huyó de su país hacia Londres) y de su elección sexual en los ‘80, cuando esa alteridad era vivida como estigma. Como muchos de su generación padeció del virus HIV que derivó en la enfermedad fatal que terminó con su vida.

Sus retratos exploran nociones personales y políticamente comprometidas ligadas al deseo, la espiritualidad y la dislocación cultural. Representan el cuerpo masculino negro como eje para sondear tanto los límites de la fantasía espiritual y erótica como la diferencia cultural y sexual. Inspirado por lo que los sacerdotes yoruba –religión de sus antepasados– consolida “la técnica del éxtasis”: arma su obra en capas que van desarmando lo espiritual y lo sexual. Fani-Kayode utiliza la fotografía, no sólo a cuestionar la sexualidad y el deseo homoerótico, sino también para abordar la diáspora y la pertenencia, y las tensiones entre su homosexualidad y su crianza yoruba. Esta exposición coincide con la introducción de una nueva legislación punitiva en Nigeria así como otros países de Africa en los últimos años que condenan la homosexualidad. Kayode fue fundador y primer presidente de Autograph ABP (Asociación de Fotógrafos Negros), organización fundada en 1988, un año antes de su muerte. Su obra se exhibió a lo largo del mundo: Londres, Boston, New York y Ciudad del Cabo. En 2003, sus fotografías formaron parte del Pabellón Africano de la Bienal de Venecia. Algunas fueron creadas en colaboración con su compañero Alex Hirst quien murió al poco tiempo de Kayode también víctima del virus HIV. Contemporáneo de Robert Mapplethorpe, a quien conoció, muchos le atribuyen similitudes con su obra por el hecho de que él también fotografiaba bellos cuerpos de negros desnudos. La gran diferencia está en el punto de vista. No mira un blanco deseoso de atrapar el bello cuerpo oscuro como un objeto perfecto de deseo; él mira a un negro, a un par, al que retrata con orgullo, con complicidad de igual, con unos ojos que sacan de marco el cuerpo como objeto y lo subjetivizan convirtiéndolos en cuerpos en acción, no en cuerpos observados. Cuerpos que desean, que rezan, que veneran, que son y no que están. In Página 12

Tulip Boy, 1989

Tulip Boy, 1989

Untitled 1987 -1988

Da necessidade de conhecer a cultura africana para combater o preconceito e o racismo

racismo

.

(Escrito por uma criança Angolana)

Quando nasci, era preto.
Quando cresci, era preto.
Quando pego sol, fico preto.
Quando sinto frio, continuo preto.
Quando estou assustado, também fico preto.
Quando estou doente, preto.
E, quando eu morrer, continuarei preto!
E tu, cara branco?
Quando nasce, é rosa.
Quando cresce, é branco.
Quando pega sol, fica vermelho.
Quando sente frio, fica roxo.
Quando se assusta, fica amarelo.
Quando está doente, fica verde.
Quando morrer, ficará cinzento.
E vem me chamar de homem de cor?

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Seleta da poeta Cláudia Gonçalves

Cinco poemas de Cláudia Gonçalves

Cláudia Gonçalves

.

do_ação

se é pra doar que doe
não pro verbo
pro sujeito
não pro doido
pro doído
__ pro presente
não
pro
tempo
ido

.

Utopia

Não é nada
é só poeira de sonho
de uma noite de outono

até esqueci
e deitei no vácuo
que ocupou meus ais

é só uma miragem
pintando a face
de um amor distraído
que tropeçou no silêncio

e amanheceu você

.

Breve

houve
um tempo
em que
o momento
voou
e passou
em silêncio

.

Distração

quase meia-noite
onde estava
que não embarquei

contando estrelas
talvez…

quase meia-noite
a lua prata
avisou-me
e não…
não escutei

quase meia-noite
onde estava
que não embarquei

se o bonde passou
deixei… sobrei
parti-me de ti
sonhei as horas
que perdi

quase meia-noite
…desisti

.

Inebrio

que perdure esta sede
que embriaga
os sentidos

que nos metros de saudade
minha ponte encontre
a sua

e no remanso da aurora
não me fuja a poesia

 

.

.

Esses artistas, essa Negra Mercedes, esse Negro Milton, eles pegam e chamam a gente para valores fundamentais

GRACIAS A MERCEDES

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por Urariano Mota

Hoje, uma das vozes fundamentais do mundo completaria 80 anos. Recupero para ela. Num domingo de 2009, ao saber da notícia do falecimento de Mercedes Sosa, a minha filha disse à mesa: “e eu perdi… eu sabia que nunca mais ia ter outra oportunidade ”. Ela se referia a uma apresentação da artista no Recife naquele ano, a que ela não pôde ir. Esse “eu perdi” ficou.

Mas era domingo, dia de trégua, e joguei ou perdi a má notícia a um canto, pensando que a esqueceria. No outro dia, em meu blog, o leitor Joca Ramiro reclamou: “acho que deverias escrever um texto sobre alguém a quem aprendemos a gostar e respeitar, mas que nesse domingo 4/10/2009 nos deixou, nada mais nada menos que a divina Mercedes Sosa”.

E para evitar a emoção, como um capoeira malandro, evitei o golpe, fiz um círculo e me furtei. Mas se furtar à luta não é o mesmo que resolvê-la, porque o chamamento à roda nos clama, persegue e agarra: para onde vais, fujão? Agarrado então imagino que deve haver um modo de falar sem ir ao fundo, com um modo objetivo e esquivo. Algo como pesquisar, copiar e colar como se fosse um colador de figurinhas.

Na figurinha número 1, assim fala a primeira informação:

“Mercedes Sosa (San Miguel de Tucumán, 9 de julho de 1935 — Buenos Aires, 4 de outubro de 2009) foi uma cantora argentina de grande apelo popular na América Latina. Com raízes na música folclórica argentina, ela se tornou uma das expoentes do movimento conhecido como Nueva canción. Apelidada de La Negra pelos fãs devido à ascendência ameríndia (no exterior acreditava-se erroneamente que era devido a seus longos cabelos negros), ficou conhecida como a voz dos ‘sem voz’”.

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La Negra, porque descendente de índio na Argentina, é um pouco forte, não? Adiante. E já que falamos da negra, nos jornais do dia estava a seguinte figurinha:

“Ainda sob o impacto da notícia da morte da cantora, no domingo, Braceli, que prepara um volume atualizado com histórias da vida de Sosa, falou à Folha sobre as memórias com ‘La Negra’, como era chamada. Uma delas viveu com Milton Nascimento dentro do carro da cantora, que adorava dirigir em alta velocidade. “Íamos sete pessoas no automóvel – Mercedes, Milton e eu na frente. Perto do Aeroparque [aeroporto para voos domésticos em Buenos Aires], o carro parou em plena linha de trem. Ao longe, vinha uma locomotiva e, naturalmente, vivemos segundos de inquietação. Milton, não. Ele aumentou o volume do toca-fitas. Depois do susto, perguntei porque fez aquilo e ele disse: “Porque, se aquele era o final, seria o final mais feliz da minha vida”. Escutávamos a Negra cantando uma música dele”.

Esses artistas, essa Negra Mercedes, esse Negro Milton, eles pegam e chamam a gente para valores fundamentais. Pois que prazer e felicidade são esses que os levam a fechar os olhos a ouvir acordes enquanto um trem avança sobre seus corpos? Como se pode morrer feliz aos pedaços da própria carne?

“Volver a los diecisiete después de vivir un siglo
Es como descifrar signos sin ser sabio competente,
Volver a ser de repente tan frágil como un segundo
Volver a sentir profundo como un niño frente a dios”

Este colador profissional ouve agora a voz de Mercedes Sosa. E cola nesta altura o que lhe vem dentro: coisa boa é a mecânica, a tecnologia a serviço da arte. Graças a essa coisa fria, a essa mecânica, eletrônica, podemos ouvir agora uma vez mais La Negra. Aquela voz absoluta e total, quente como um leite de mãe gorda, que toma conta da gente em um grito:

“El tiempo pasa nos vamos poniendo viejos
Yo el amor no lo reflejo como ayer
En cada conversación cada beso cada abrazo
Se impone siempre un pedazo de razón”

Pero todo cambia, tudo muda, amiga:

“Cambia el clima con los años
Cambia el pastor su rebaño
Y así como todo cambia
Que yo cambie no es extraño”

Essa mudança, em lugar de nos trazer uma desesperança, uma angústia, quando olhamos os estragos que o tempo fez nos lugares e pessoas amadas, é também uma esperança para as coisas que construiremos, que agora são possíveis, porque, amiga Negra, tudo muda. Tudo muda, até mesmo ter um índio no governo da Bolívia. Tudo muda, até mesmo ver o Brasil como um personagem da história do mundo.

Um jornal argentino, de modo tacanho, anunciou naquele dia, e esta é minha última figurinha que colo: “El alma de Mercedes Sosa vivirá em Tucumán, Buenos Aires y Mendoza”, porque “parte de las cenizas de la cantora, fallecida el domingo a los 74 años, serán esparcidas en la ciudad mendocina de Guaymallén el domingo 18. La ceremonia se repetirá en la provincia de Buenos Aires y Tucumán, tres sitios fundamentales de la carrera de la querida ‘Negra’”.

Que modo mesquinho, objetivo e burro de ver a realidade. As cinzas, que são matéria, e porque matéria, perecíveis, estarão de fato em Tucumán, Buenos Aires e Mendoza. Pero tu alma, Mercedes, es universal. Ela estará em todos os lugares onde cantemos e cantaremos gracias a la vida, que nos deu tanto, tanto, até mesmo uma cantante como tu.

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Hora de paz de Auta de Souza

HORA DE PAZ
por Auta de Souza

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Como é feliz a hora do descanso!
Quando sinto os meus olhos, manso e manso,
Morrendo para a luz…
Todas as dores da Saudade esqueço,
Junto as mãos sobre o seio e adormeço
Sorrindo para a Cruz…

 

AUTADESOUZA

 

RÉQUIEM PARA OS NEGROS DE ALMA BRANCA
por Talis Andrade

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Os martelos cantavam
sobre os yunques sonâmbulos
sobre os yankees bêbados
nas barracas de cerveja
da praia de Ponta Negra

Os martelos cantavam
dissonante escala
Cravados sons
a penetrar a carne
Cravados sons
a penetrar a tampa do caixão
de Auta de Souza
a virgem negra

Ao compasso dos martelos
os negros catavam nuvens brancas
nos campos de algodão

 

Foi você que roubou! Essa negra Fulô!

ESSA NEGRA FULÔ
por Jorge de Lima

 

Ora, se deu que chegou
(isso já faz muito tempo)
no bangüê dum meu avô
uma negra bonitinha,
chamada negra Fulô.

Essa negra Fulô!
Essa negra Fulô!

Ó Fulô! Ó Fulô!
(Era a fala da Sinhá)
— Vai forrar a minha cama
pentear os meus cabelos,
vem ajudar a tirar
a minha roupa, Fulô!

Essa negra Fulô!

Essa negrinha Fulô!
ficou logo pra mucama
pra vigiar a Sinhá,
pra engomar pro Sinhô!

Essa negra Fulô!
Essa negra Fulô!

Ó Fulô! Ó Fulô!
(Era a fala da Sinhá)
vem me ajudar, ó Fulô,
vem abanar o meu corpo
que eu estou suada, Fulô!
vem coçar minha coceira,
vem me catar cafuné,
vem balançar minha rede,
vem me contar uma história,
que eu estou com sono, Fulô!

Essa negra Fulô!

“Era um dia uma princesa
que vivia num castelo
que possuía um vestido
com os peixinhos do mar.
Entrou na perna dum pato
saiu na perna dum pinto
o Rei-Sinhô me mandou
que vos contasse mais cinco”.

Essa negra Fulô!
Essa negra Fulô!

Ó Fulô! Ó Fulô!
Vai botar para dormir
esses meninos, Fulô!
“minha mãe me penteou
minha madrasta me enterrou
pelos figos da figueira
que o Sabiá beliscou”.

Essa negra Fulô!
Essa negra Fulô!

Ó Fulô! Ó Fulô!
(Era a fala da Sinhá
Chamando a negra Fulô!)
Cadê meu frasco de cheiro
Que teu Sinhô me mandou?
— Ah! Foi você que roubou!
Ah! Foi você que roubou!

Essa negra Fulô!
Essa negra Fulô!

O Sinhô foi ver a negra
levar couro do feitor.
A negra tirou a roupa,
O Sinhô disse: Fulô!
(A vista se escureceu
que nem a negra Fulô).

Essa negra Fulô!
Essa negra Fulô!

Ó Fulô! Ó Fulô!
Cadê meu lenço de rendas,
Cadê meu cinto, meu broche,
Cadê o meu terço de ouro
que teu Sinhô me mandou?
Ah! foi você que roubou!
Ah! foi você que roubou!

Essa negra Fulô!
Essa negra Fulô!

O Sinhô foi açoitar
sozinho a negra Fulô.
A negra tirou a saia
e tirou o cabeção,
de dentro dêle pulou
nuinha a negra Fulô.

Essa negra Fulô!
Essa negra Fulô!

Ó Fulô! Ó Fulô!
Cadê, cadê teu Sinhô
que Nosso Senhor me mandou?
Ah! Foi você que roubou,
foi você, negra fulô?

Essa negra Fulô!

 

Eduardo Fiel, pintura a óleo, 1975

Eduardo Fiel, pintura a óleo, 1975

 

A (COM)PORTA
por Deífilo Gurgel

 

Serás o dia à noite do outro lado
Jorge de Lima
Deste lado da porta é noite, já.
Os homens adormecem seus cuidados.
Pelos campos desertos, os arados
pesam, negros e inúteis, ao luar.

Deste lado da porta ruge o mar
dentro da noite. Os pássaros cansados
pousaram nos meus olhos tresnoitados
e dormem ao relento, sem cuidar

que do outro lado desta porta é dia
e que somente um sopro bastaria
para esta porta abrir-se do outro lado.

Então, de súbito, amanheceria
e o que em sonho repousa, deste lado,
do outro lado da porta acordaria.

Bahia, um dos celeiros de votos do PT

* Dilma Rousseff confia no poder de seu partido em Estados como este
* Quase metade das famílias baianas recebe ajuda estatal

 

Dilma, em campanha em Salvador no dia 9 / DARIO G. NETO (EFE)

Dilma, em campanha em Salvador no dia 9 / DARIO G. NETO (EFE)

 

por Antonio Jiménez Barca/ El País/ Espanha

Reginaldo Pereira indica onde estacionar na praça de Lauro de Freitas (BA), a cerca de 20 quilômetros de Salvador. Leva no peito um crachá que o habilita como guardador municipal homologado. Tem 43 anos, é pardo, de cabelo curto e enrolado, pobre. Há pouco tempo se divorciou e se viu na rua. Sua mulher e sua filha ficaram com o barraco e com a subvenção familiar de 92 reais, o Bolsa Família. Ele foi dormir em um parque. Fala com confusão de sua vida, mas tem clareza quando é indagado em quem vai votar no próximo turno das eleições, em 26 de outubro: se na presidente Dilma Rousseff, do Partido dos Trabalhadores (PT), ou no mais conservador Aécio Neves, do Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB). “Escute, fico arrepiado ao pensar na Dilma. E no Lula. Ele foi o primeiro a se lembrar dos pobres. Por isso sou fiel ao PT. Eles me tiraram da miséria. Me tiraram da rua. Moro em um quarto alugado com o programa Bolsa Moradia. Pago só 65 reais. Meu filho recebe uma ajuda. E estou prestes a ter uma casa que me darão daqui a alguns anos. Me dá vontade de chorar quando penso em tudo isso”.

O Estado da Bahia é uma mancha vermelha no mapa eleitoral, da cor do Partido dos Trabalhadores. Como todo o Nordeste, composto por nove Estados (alguns do tamanho da Espanha), a parte mais pobre e atrasada do país, a de piores índices de educação. É aqui onde Rousseff mantém o imenso celeiro de votos que lhe permite chegar ao segundo turno no próximo domingo com expectativas. Que lhe permite caminhar nas pesquisas ao lado de Neves, que recebe mais apoio, por exemplo, em São Paulo. Na Bahia, no primeiro turno, 41% dos eleitores votaram em Rousseff, contra 33% dos votos para Neves. E tudo indica que os votos restantes, os da terceira colocada na disputa, Marina Silva, também irão para o PT.

O taxista John Lennon (que, na realidade também se chama Reginaldo, mas insiste no apelido recebido há 40 anos por causa dos óculos redondos) afirma que todos esses votos são clientelistas: “É por causa do Bolsa Família. Aqui todo o mundo vota no PT por isso. Tem muito pobre que se conforma e que depois não quer trabalhar. Eu vou de Aécio”. O Bolsa Família, que ajuda mães ou casais sem recursos e com filhos, é o programa social mais amplo do Brasil. Quanto mais filhos, maior a quantia, que oscila entre os 30 e 300 reais, aproximadamente. E na Bahia, quase metade das famílias (42,7%) recebe o auxílio, o dobro da proporção no resto do país.

Por isso não é estranho que o Bolsa Família se torne um importante assunto eleitoral. O mesmo Neves, que afirma que não vai retirar o programa, argumenta que o Bolsa Família deve ser “um ponto de partida e não a linha de chegada”. Rousseff, simplesmente, lembra que graças aos 12 anos do Governo do PT, a miséria se reduziu no país. Não é raro que os seguidores do PT recorram a uma frase definitiva: “Hoje já não se passa fome no Brasil”.

A 30 quilômetros de Salvador, três mulheres esperam por um ônibus que parece que nunca vai chegar. Não muito longe fica uma praia paradisíaca onde Janes Joplin se refugiou em seus tempos de hippie. Nem muito longe tampouco, nessa brutalidade de contrastes que o Brasil oferece, está uma das favelas mais perigosas da região, apelidada (não se sabe por quem) de “Planeta dos Macacos”. A mais velhas das três mulheres, Josefa, tem 48 anos, apesar de aparentar 60: “Graças a Lula tenho casa, comida e uma moto”. A filha, Jacobina, de 29 anos, faxineira diarista, com dois filhos, recebe 147 reais do Bolsa-Família; seu marido, cego, também recebe uma subvenção e confessa que sempre votará no PT. A terceira mulher, Leneovígia, permanece calada e apenas observa. Depois diz: “Eu também recebo o Bolsa Família por causa da minha filha, mas gostaria de não receber. Trabalho cuidando de idosos, tenho diploma, e o que quero é um contrato de trabalho, não uma esmola. Estou cansada de que nos calem a nós, pobres, com esmolas”.

Já em Salvador, no bairro popular de São Cristóvão, Eijane, de 29 anos, que tem quatro filhos, se joga no sofá de seu barraco olhando para um pequeno ventilador que gira desesperadamente sem aliviar em nada o calor. Ao lado, uma televisão grande e moderna. Ela também recebe o Bolsa Família, cerca de 300 reais por mês, e também votará no PT, apesar de dar de ombros quando se pergunta o motivo. Uma de suas filhas, Taimara, de oito anos, chega da escola. Uma das condições para o auxílio é que as crianças frequentem as aulas assiduamente. A menina, sorridente e alerta, diz que quer ser médica ou enfermeira. A mãe, esgotada e morta de calor, responde ao vento, sem olhar para a filha: “Não temos recursos para sermos alguém na vida”.

“Quem ergueu São Paulo? Nós, os do Nordeste do Brasil”

 

A Igreja do Rosário dos Pretos.

Igreja Rosário dos Pretos. Clique nas fotografias para ampliar

Igreja Rosário dos Pretos. Clique nas fotografias para ampliar

Na preciosa igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos, no coração de Salvador (BA), Antônio Nicanor, negro, baiano, católico, simpático e falante, aponta com o dedo para o solo: “Olhe, aqui em baixo, onde você pisa, está enterrado um irmão negro há mais de 300 anos.

Na época não tinham onde cair mortos. Por isso eram enterrados aqui, no único terreno que tinham, na igreja dos negros”. Nicanor pertence à Irmandade dos Homens Pretos, uma confraria criada no século XVI para abrigar a religiosidade dos escravos brasileiros, trazidos da África, que não podiam frequentar as mesmas igrejas que os seus senhores. Nicanor continua falando: “Na Bahia, 80% da população é negra, mas muito poucos cargos importantes são para os negros. Já não há escravidão, mas há uma grande desigualdade”.

O culto é católico, mas tem certa influência africana em alguns rituais, em algumas práticas que provêm do candomblé, religião com origem na África que ainda se pratica no Brasil e, principalmente, com a alegria, o ritmo e a musicalidade que atravessam toda a cerimônia. A missa é cantada durante a maior parte do tempo. No fundo, uma dupla de percussionistas se encarrega de marcar um compasso que chega até o sacerdote, vestido com uma batina verde. Nicanor continua: “Em São Paulo acusam os do Nordeste (composto por nove Estados, incluída a Bahia) de preguiçosos. Mas fomos nós, nossos migrantes, os que ergueram São Paulo. Não somos desocupados. Somos alegres. Não somos preguiçosos. Só sabemos viver de outra maneira”. Em seguida, conclui: “Antes enterrávamos os irmãos mais pobres. Agora, olhe: ali no primeiro andar da igreja damos aulas grátis de informática para os irmãos mais pobres”.

 

Do Grande Rio do Sul a Poesia de Sandra Santos

Sandra chimarrão

***

 

ando pelas colinas campeando a vida
que ficou pra trás
por vezes a felicidade passa disfarçada
pra outro lugar…

 

Sandra Santos, a musa

 ***

triste ter que excluir
discurso racista
homofóbico e sexista

será que a criatura tem jeito?

 

sandra santos5

***

 

atirou a primeira pedra
a pedra atingiu uma mulher
atirou a segunda pedra
a pedra atingiu a negra
atirou terceira pedra
a pedra atingiu a velha
a quarta pedra atingiu uma ativista
a quinta pedra, a benzedeira
atirou a sexta pedra
e nada mais
poderia atingir
sua identidade mestra
a pessoa esmurrou a pedra

 

 

Mais de 50.000 vidas, todas elas de jovens negros ou mulatos, pobres quase em sua totalidade, que acabam assassinados a cada ano, mais que em todas as guerras em curso no Planeta

Para o Estado somos todos bandidos
Ele existe não para nos defender sem necessidade de matar, mas para “executar”, e se for com tortura, melhor

 

O ambulante Carlos Augusto Braga

O ambulante Carlos Augusto Braga

por Juan Arias/El País/ Espanha

 

Estou há muitos anos neste país que amo, sobretudo suas pessoas. Muitas coisas mudaram desde que aterrissei pela primeira vez no Rio, onde ainda se podia caminhar pela rua e viajar de ônibus sem ter que ficar alerta por medo de ser vítima da violência urbana. O mesmo ocorria em São Paulo.

O Brasil avançou na consciência dos cidadãos e até em riqueza econômica, apesar de uns poucos continuarem crescendo cada vez mais do que a maioria. Há algo, porém, que no Brasil não só não avançou, como também retrocedeu. Por exemplo, no que se refere ao respeito à vida das pessoas.

Eu me pergunto tantas vezes, com dor e até com raiva, por que a vida de uma pessoa vale tão pouco e é esmagada a cada dia como se esmaga uma barata. Esse pouco apreço por ela faz com que nossa polícia, eternamente mal paga e mal preparada, sempre com licença para matar, seja a cada dia mais truculenta e corrupta.

Eu voltei a me perguntar lendo a sangrenta reportagem de minha colega María Martín neste jornal sobre o tiro disparado por um policial na cabeça de um jovem vendedor ambulante, que acabou morto no asfalto de uma rua da rica São Paulo.

Esse policial que atirou sem compaixão no ambulante, como se atira em um coelho no campo, não pensou que aquele jovem vendia suas coisas na rua porque talvez não tenha tido a possibilidade de fazer algo melhor na vida? Que poderia ter sido seu filho ou irmão? Que ele também tinha sonhos e desejo de continuar aproveitando a vida?

Vendo aquelas imagens feitas no lugar do crime pela nossa repórter María meu estômago se revirou de desgosto e a mente, de indignação, enquanto pensava que esses policiais que em vez de nos dar um sentido de segurança e proteção nos incutem a cada dia mais medo.

Uma mancha de sangue na rua onde começaram os distúrbios: MARÍA MARTÍN

Uma mancha de sangue na rua onde começaram os distúrbios: MARÍA MARTÍN

Pensei também que a nossa classe média ajuda os guardiães da ordem a disparar o gatilho da pistola sem tantos remorsos. Fomos nós que cunhamos a terrível frase de que “bandido bom é bandido morto”. E o respeito à vida? “É que eles também não respeitam a nossa”, se contrapõe. Mas isso leva à concepção de que o Estado existe não para nos defender sem necessidade de matar, mas para “executar”, e se for com tortura, melhor. E que todos acabamos sendo vítimas potenciais dessa loucura.

Há países, como os Estados Unidos, onde se um policial poderia ter prendido um criminoso sem lhe tirar a vida e fica comprovado que não o fez porque era mais fácil matá-lo, acaba sendo duramente punido.

É um problema de escala de valores. Quando a vida de um ser humano, criminoso ou santo, deixa de ter valor supremo, todos logo acabamos nos tornando carne de canhão. Nossa vida entra em liquidação, perde seu valor e dignidade.

Tudo isso, no Brasil parece mais evidente pelo fato de que o Estado trata os cidadãos não como pessoas em princípio honradas, mas como potenciais “bandidos”. Em outros países, o Estado parte do pressuposto de que o cidadão é do bem, que não mente, que não engana, que não procura, a princípio, violar a lei.

E é o Estado, se for o caso, que tem de demonstrar que não é assim, que esse cidadão é um delinquente e fraudador, e só então terá de ser punido.

Viram como nós, cidadãos, somos tratados no Brasil quando precisamos comprar algo, quando entramos em um cartório? Todo o papel é pouco para demonstrar que não somos bandidos, sem-vergonha, mentirosos, vigaristas. Nos pedem certificados e mais certificados, assinaturas e mais assinaturas, reconhecimento de firma, e ainda mais, comprovação com presença física de que essa assinatura é autêntica.

Em uma ocasião, quando comprei um pequeno imóvel em Madri, tudo durou 20 minutos num cartório. Assinamos o contrato de compra e venda. O proprietário me entregou a escritura e as chaves e eu entreguei o cheque da compra. No Brasil nos teríamos perguntado, e se o imóvel foi vendido duas vezes? E se nós dois não estivéssemos nos enganando? E, e, e, e…..! quantos “es” e quantos medos de que no fundo sejamos de verdade uns bandidos que só queremos enganar!

Essa possibilidade de que possamos estar enganando sempre se deve ao fato de que perante as autoridades, ante a polícia, ante o Estado, todos somos sempre vistos como bandidos em potencial. Como me disse um amigo meu, para meu espanto: “É que todos nós, brasileiros, somos todos um pouco bandidos. Se nós podemos enganar, fazemos isso”.

Não acredito. Sempre pensei que até nas sociedades mais violentas e atrasadas as pessoas de bem, honradas, que não desejam enganar são infinitamente mais numerosas do que os bandidos. Do contrário, o mundo inteiro seria há muito tempo um inferno.

É assim no Brasil? Enquanto se continuar pensando e agindo como se a vida humana tivesse menos valor do que um verme e ninguém se espantar quando é sacrificada com violência e sem remorsos, às vezes até por uma insignificância, talvez tenhamos que reconhecer que esse inferno existe também aqui.

Isso é o que recordam as mais de 50.000 vidas, todas elas de jovens negros ou mulatos, pobres quase em sua totalidade, que acabam assassinados a cada ano, mais que em todas as guerras em curso no Planeta. Cada vez que um policial acaba com a vida de uma pessoa na rua, às vezes por uma mesquinharia, continuará sendo alimentada, pela outra parte, a dos cidadãos e dos mesmos bandidos, uma cadeia infernal de desejo de vingança que continuará nos esmagando e humilhando.

Até quando? Irá despertar alguma vez este país de tantas maravilhas, de tantas pessoas fantásticas, com desejo de viver em paz, sem serem tratadas como se fossem todas bandidos, ou continuará deixando atrás de si a cada dia tristes trilhas de sangue e medo ante a impassividade e a impotência do Estado?

Edinaldo, amigo e companheiro de trabalho de Carlos Augusto: M. MARTÍN

Edinaldo, amigo e companheiro de trabalho de Carlos Augusto: M. MARTÍN

Ambulantes, companheiros de Braga, a caminho do aeroporto de Guarulhos para prestar homenagem ao camelô: M. MARTÍN

Ambulantes, companheiros de Braga, a caminho do aeroporto de Guarulhos para prestar homenagem ao camelô: M. MARTÍN


Veja os soldados estaduais da polícia assassina do governador Geraldo Alckmin em ação (T.A.):

É possível explicar a predominância das brancas nas páginas das revistas brasileiras?

Sempre disse que coluna social de negra é a página policial dos jornais.

O racismo impera em todos os meios de comunicação de massa.

Para completar, existe a erotização da mulata, na criação de personagens tipo Globeleza.

Revistas excluem adolescentes negras

Isabela Reis

por Isabela Reis (*)

A invisibilidade dos negros na mídia brasileira não é assunto novo, mas as revistas para o público adolescente revelam um quadro cruel de exclusão. Em um país onde 57,8% das meninas de dez a 19 anos se declaram pretas ou pardas (categorias cuja soma é comumente usada para medir a população negra), as publicações juvenis não as enxergam. Somente as brancas estão nas páginas. Não há diversidade.
É difícil crescer lidando com produtos que não te contemplam. Como explicar para uma pré-adolescente negra, em plena formação de identidade, que ela é bonita, se a revista preferida ignora seu tom de pele? Como enaltecer a beleza afro, se o conteúdo estimula o embranquecimento? Como acreditar que o crespo é normal, se as reportagens só exibem cabelos lisos? Estamos no século 21 e parece que paramos no tempo. Nós queremos existir.
As edições de agosto das três principais revistas para adolescentes do país omitem a população negra. “Atrevida”, “Capricho” e “Todateen”: 294 páginas, apenas cinco fotos de adolescentes pretas ou pardas. Na “Capricho”, uma imagem estava em um anúncio; outra apresentava a nova integrante da equipe de leitoras que colaboram com a revista. Na “Todateen”, duas fotos estavam no mural de fãs; a terceira, como na concorrente, era da equipe de colaboradoras. E só. A “Atrevida” não trouxe uma adolescente negra. As cantoras e atrizes pretas ou pardas conseguiram espaço nas publicações pela fama, não pela cor. Foram 114 páginas de padronização e exclusão.
As redações sabem da composição do público. Quatro das cinco imagens foram enviadas por leitoras negras. Elas compram, leem, se interessam, interagem, participam, colaboram. Elas estão presente e são ignoradas. Não havia um editorial de moda com modelos negras, uma seção de penteados para cabelos cacheados e crespos ou uma dica de maquiagem para pele negra. As revistas abordam bullying, sexo, masturbação, compulsões, vícios, sempre com personagens brancas, como se as questões não afetassem ou não interessassem as negras.
O racismo também não foi pauta. Estamos em 2014, as pessoas ainda xingam negros de “macaco”, e a juventude negra está sendo massacrada. O “Mapa da Violência 2014”, da Flacso Brasil, denunciou aumento de 32,4% nos homicídios de negros de 15 a 24 anos, entre 2002 e 2012. Para cada jovem branco que morre, 2,7 jovens negros perdem a vida. E ninguém toca no assunto.
As revistas não responderam às tentativas de contato. Se retornassem, conseguiriam justificar? É possível explicar a predominância das brancas nas páginas, quando elas são apenas uma parte das meninas de dez a 19 anos? Se houvesse lógica nos números, 57,8% das imagens deveriam ser de meninas negras. Não é o que acontece.
Somos aproximadamente 9,7 milhões de cores, de cabelos com personalidade própria, de bocas grandes, de narizes largos, de sorrisos lindos, de leitoras, de público que vai pagar pelas revistas, de lucro. E ainda assim, não estamos lá. A mídia nos vende uma realidade que não existe. Vivemos no Brasil, o país da miscigenação. Ao abrir uma revista, me sinto na Rússia.
É cruel com as crianças que crescem com o sentimento de não pertencer ao universo apresentado nas revistas. É cruel com as adolescentes que se convencem que, ao alisar o cabelo e parar de tomar sol, vão se encaixar no padrão irreal. É cruel com as famílias que precisam trabalhar em dobro para promover a aceitação. Deviam ter as revistas como aliadas, mas elas são, na verdade, um desserviço.

 


* Isabela Reis é estudante de Comunicação Social da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) e tem 18 anos
Publicado in UOL