Terror y miseria. Lo más crudo del paisaje nordestino asoma en Agreste

La obra escrita por el brasileño Newton Moreno que llega a Buenos Aires con dirección de Elisa Carricajo

por Newton Moreno/ Página 12

“¿Usted no sabía que al coronel no le gusta ese frote de hembra con hembra, tortillera sinvergüenza? Mañana se va pa’la cárcel, va a conocer machos pa’que nunca más se confunda”, grita un vecino rabioso en Agreste, una fábula amarga y surrealista sobre la intolerancia, los prejuicios y la ignorancia que transcurre en la zona mas árida del Brasil. La mujer de esta pareja se entera al morir su marido de que éste había sido en verdad una mujer biológica. Un aspecto de Agreste es la ambigüedad: para esta mujer no hay ningún porcentaje de transgresión en lo que ha vivido. Me inspiraron a escribir esta obra las historias reales sobre la educación sexual de las mujeres en el interior de Pernambuco y el desconocimiento que tenían sobre sus propios cuerpos. Así empecé a tejer esta fábula acerca de la “ignorancia” a través de la improbable historia del amor escondido de esta pareja. Soy de Recife. La cultura popular del nordeste fue la materia prima de mi entrenamiento como dramaturgo y director, a través de la negociación entre la memoria y la imaginación. Me encanta dar voz a las personas del interior de Brasil, el hombre rural, del campo, que está lejos de la capacidad de resistencia de las capitales. En La comida y Dentro (ambas obras que también se han montado en Buenos Aires) exploro el canibalismo y el fistfucking, respectivamente. Veo cierta línea de continuidad entre Agreste y esas dos obras anteriores: la preocupación por las relaciones corporales contemporáneas, las relaciones de poder, el deseo, la violencia urbana y cómo se devoran las unas a las otras.

Eleitores de Aécio Neves citam beleza de Letícia Weber como justificativa de voto

beleza

Portal Ig = As eleições dominaram as redes sociais e os chamados memes, que ganharam fama pelas inteligentes sátiras com o dia a dia e trejeitos dos candidatos, viraram plataformas para o discurso do ódio no entorno da disputa presidencial. A última e triste campanha de milhares na internet defende o voto por “gente linda no poder”, usando o casal Aécio Neves, candidato do PSDB, e a possível primeira-dama e ex-modelo Letícia Weber como acessório de beleza ao Palácio do Planalto.

“Chega de feiura! Queremos gente linda no Planalto”, defende a postagem de Handel Araujo, que exibe em seu perfil do Facebook centenas de memes do tipo. Publicada no dia 3 de outubro, dois dias antes do primeiro turno das eleições, o post recebeu 3.327 compartilhamentos e ganhou aplausos de outros eleitores, que comemoravam “uma primeira-dama à altura do Brasil”.

Em outras situações, eleitores exaltam ainda o lado “conquistador” de Aécio, chamado de “herói nacional” pelo seu histórico de relacionamentos amorosos com belas mulheres da televisão brasileira, como a atriz Ana Paula Arósio, a modelo Gisele Bündchen e a ex-miss Brasil Natália Guimarães. “Se a nossa presidente é feia que dá até pena, o provável rival dela nas eleições deste ano já passou o rodo em dez beldades de dar inveja até em artistas globais”, defende o usuário como argumento de voto. Muitos encerram suas discussões nas redes apostando em eleger o candidato que teria uma vida sexual ativa, pois “quem transa governa melhor”.

.
A Intolerância nas redes

.
As eleições 2014 ficaram marcadas pelas participações das redes sociais, que muitas vezes chocaram pelo seu conteúdo de ódio, provocando até possíveis processos na Justiça contra crime de xenofobia e racismo. É o caso da onda de manifestações contra nordestinos e eleitores do PT, classificados como “pobres menos informados” pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso logo após os resultados do primeiro turno, que definiu a disputa pela Presidência entre Aécio e Dilma.

excluído dia

bolsa partido

perola-bolsafamiliaxempregos

OS FEIOS NORDESTINOS BOAS-VIDAS

OS FEIOS NORDESTINOS BOAS-VIDAS

.
O comentário aumentou a disputa partidária dentro do País, criou um cenário “nós contra eles” e incentivou o ódio ao PT, gerando um surto de mensagens preconceituosas contra nordestinos, nortistas, negros e beneficiários dos programas sociais do governo federal. Uma das manifestações mais polêmicas foi a comunidade “Dignidade Médica”, hospedada no Facebook, que pregou um “holocausto contra nordestinos”. O grupo foi revelado pelo iG e reúne quase 100 mil usuários que se declaram da classe médica brasileira.

.
Na mesma semana, a Procuradoria Geral da República (PGR) abriu uma frente de investigação e recebeu 85 denúncias de atos de preconceito contra nordestinos pela internet. As acusações são analisadas pela Procuradoria da República do Distrito Federal (PRDF), que pode instaurar um procedimento investigatório. Autores de posts discriminatórios estão passíveis de responder pelo crime de racismo. O delito é previsto no art. 20 da Lei 7.716/89 e pode render a pena de dois a cinco anos, mais multa. Além do racismo, internautas podem ser autuados em crimes de incitação pública à prática de ato criminoso, com pena de prisão de 3 a 6 meses, mais multa.
“Preconceito está entranhado na sociedade”

.
Em entrevista ao iG, a psicóloga Luciana Ruffo, especialista do Núcleo de Pesquisas e Psicologia em Informática da PUC-SP, avaliou o comportamento do brasileiro nas redes sociais após os ataques aos nordestinos. Para ela, a interação online encoraja e valida opiniões como uma espécie de palanque na internet. A fantasia do anonimato, a desinformação de que poderá responder criminalmente pelo conteúdo com o rastreio do IP (endereço eletrônico) e a certeza de impunidade estimulam o compartilhamento de opiniões preconceituosas e racistas. “As pessoas se sentem mais corajosas para falar grandes absurdos”, disse na ocasião.

.
Luciana aponta ainda que os preconceitos diários estão longe de ser exclusivos das redes sociais ou mesmo do período eleitoral. “Comentários preconceituosos ocorrem diariamente, é algo entranhado na sociedade e acontece em grupos de pessoas que compartilham a mesma ideia. Mas quando cai na web, outros tomam consciência e gera uma repercussão enorme”, analisa a psicóloga, que classifica as denúncias como consequência positiva da convivência entre diferentes classes sociais.
Heltron Xavier · Médico Anestesiologista na empresa Skopia Clínica
E quem é que gosta de gente feia gente? Ora, processem os jornais, as empresas de marketing, as recepcionistas, as agencias de modelos e todo o mais. Faz parte da figura pública, faz parte do ser humano gostar e admirar a beleza. Agora é proibido gostar mais de mulheres bonitas?

Captura de tela

nao

Antipetismo e ódio de classe

A partir das figuras do escravo e do dependente, formou-se entre nós uma massa a quem se nega o estatuto de “gente”

 

negro criança racismo

por Maria Eduarda Mota Rocha/ El País/ Espanha

 

Bastou o resultado do primeiro turno das eleições ser divulgado e, mais uma vez, os insultos aos “nordestinos miseráveis analfabetos” eleitores de Dilma Rousseff pipocaram nas redes sociais. Enquanto isso, na grande imprensa, FHC reproduzia o preconceito em sua versão mais douta e sutil, associando o voto ao PT aos “menos informados” que, por “coincidência”, são os mais pobres.

Na raiz do problema, uma velha tradição brasileira: a ausência de um arcabouço moral universalizado capaz de impor como dever o respeito a todos os seres humanos, em sua dignidade fundamental. Os “nordestinos miseráveis analfabetos” são a versão mais recente do que Jessé Souza chamou de “ralé brasileira”. Ele mostra como, a partir das figuras do escravo e do dependente, formou-se entre nós uma massa a quem se nega o estatuto de “gente”.

No caso em questão, a dignidade desses tipos sociais é duplamente negada. Primeiro, contesta-se o seu direito à manifestação mais superficial de cidadania que é o voto. Eleitores tão desinformados não deveriam votar, está implícito. Mas esta primeira recusa está fundamentada em outra, muito mais profunda, que é a do direito ao reconhecimento social já mencionado.

Ao fim e ao cabo, o que está em jogo é a grita contra a quebra do monopólio de recursos vitais para a reprodução das elites e para a manutenção do tipo obsceno de desigualdade que existe entre nós. Afinal, os governos petistas empreenderam uma política de valorização do salário mínimo e de distribuição de renda, o que fez cair a desigualdade econômica de modo contínuo, embora em ritmo mais lento nos últimos anos. A PEC das domésticas veio colocar mais lenha na fogueira porque, ao regular este tipo de trabalho, atacou o mais claro resquício da escravidão no país, uma relação que não tinha sequer uma jornada estabelecida.

Mas foi sobretudo a democratização do acesso à universidade que feriu os brios das elites nacionais, porque afetou diretamente um dos mecanismos mais importantes para a sua reprodução: o acesso exclusivo ao ensino superior. As novas universidades, a política de cotas, a expansão das vagas convergiram para fazer muitas famílias verem um de seus membros chegar pela primeira vez a este nível de escolaridade.

Para piorar a situação dos preconceituosos, já partir de 2006 as políticas inclusivas do Governo provocaram uma mudança da base eleitoral do PT, das classes médias mais escolarizadas para as classes populares, como mostrou André Singer. Eles acertam quando identificam a composição social do voto petista. Mas seu preconceito não os deixa ver que os pobres tem boas razões para isso, mesmo que o Governo tenha deixado intocados tantos outros monopólios, como o da própria mídia que agora o ataca, e que tenha se paralisado no último mandato em áreas tão importantes como a política cultural.

A corrupção é a cortina de fumaça para muitos – mas não para todos – dos que repudiam o PT neste momento. A trajetória do partido faz os escândalos que o envolvem soarem mais fétidos do que os demais, porque ele começou a conquista do poder pelo legislativo, chamando para si a função de fiscal do executivo, desde a redemocratização. Agora, a pecha de “paladino da ética” é usada contra ele. Mas, todos sabemos (mesmo que a grande mídia e os eleitores do PSDB façam questão de esquecer) que a relação viciada entre o legislativo e o executivo é constitutiva da política brasileira.

Tendo campanhas absurdamente caras, o Brasil vê chegar ao poder partidos comprometidos com grandes empresas e congressistas que votam por interesse, e não por convicção. Entretanto, por que os tantos indignados com a corrupção não defendem a reforma política que podia mudar esse estado de coisas? Porque a moralização do debate é uma forma de evitar sua politização. Politização que, aliás, avançou muito pouco durante o governo petista, o que agora pode lhe custar o Planalto. Os jovens pobres parecem ver suas conquistas como meramente pessoais, cedendo diante da ideia de meritocracia e esquecendo os fatores estruturais e a ausência de políticas públicas que explicam porque as gerações anteriores não tiveram as mesmas oportunidades. Por isso, a onda conservadora pode crescer ainda mais.

Maria Eduarda Mota Rocha é pesquisadora e professora da Universidade Federal de Pernambuco

Bahia, um dos celeiros de votos do PT

* Dilma Rousseff confia no poder de seu partido em Estados como este
* Quase metade das famílias baianas recebe ajuda estatal

 

Dilma, em campanha em Salvador no dia 9 / DARIO G. NETO (EFE)

Dilma, em campanha em Salvador no dia 9 / DARIO G. NETO (EFE)

 

por Antonio Jiménez Barca/ El País/ Espanha

Reginaldo Pereira indica onde estacionar na praça de Lauro de Freitas (BA), a cerca de 20 quilômetros de Salvador. Leva no peito um crachá que o habilita como guardador municipal homologado. Tem 43 anos, é pardo, de cabelo curto e enrolado, pobre. Há pouco tempo se divorciou e se viu na rua. Sua mulher e sua filha ficaram com o barraco e com a subvenção familiar de 92 reais, o Bolsa Família. Ele foi dormir em um parque. Fala com confusão de sua vida, mas tem clareza quando é indagado em quem vai votar no próximo turno das eleições, em 26 de outubro: se na presidente Dilma Rousseff, do Partido dos Trabalhadores (PT), ou no mais conservador Aécio Neves, do Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB). “Escute, fico arrepiado ao pensar na Dilma. E no Lula. Ele foi o primeiro a se lembrar dos pobres. Por isso sou fiel ao PT. Eles me tiraram da miséria. Me tiraram da rua. Moro em um quarto alugado com o programa Bolsa Moradia. Pago só 65 reais. Meu filho recebe uma ajuda. E estou prestes a ter uma casa que me darão daqui a alguns anos. Me dá vontade de chorar quando penso em tudo isso”.

O Estado da Bahia é uma mancha vermelha no mapa eleitoral, da cor do Partido dos Trabalhadores. Como todo o Nordeste, composto por nove Estados (alguns do tamanho da Espanha), a parte mais pobre e atrasada do país, a de piores índices de educação. É aqui onde Rousseff mantém o imenso celeiro de votos que lhe permite chegar ao segundo turno no próximo domingo com expectativas. Que lhe permite caminhar nas pesquisas ao lado de Neves, que recebe mais apoio, por exemplo, em São Paulo. Na Bahia, no primeiro turno, 41% dos eleitores votaram em Rousseff, contra 33% dos votos para Neves. E tudo indica que os votos restantes, os da terceira colocada na disputa, Marina Silva, também irão para o PT.

O taxista John Lennon (que, na realidade também se chama Reginaldo, mas insiste no apelido recebido há 40 anos por causa dos óculos redondos) afirma que todos esses votos são clientelistas: “É por causa do Bolsa Família. Aqui todo o mundo vota no PT por isso. Tem muito pobre que se conforma e que depois não quer trabalhar. Eu vou de Aécio”. O Bolsa Família, que ajuda mães ou casais sem recursos e com filhos, é o programa social mais amplo do Brasil. Quanto mais filhos, maior a quantia, que oscila entre os 30 e 300 reais, aproximadamente. E na Bahia, quase metade das famílias (42,7%) recebe o auxílio, o dobro da proporção no resto do país.

Por isso não é estranho que o Bolsa Família se torne um importante assunto eleitoral. O mesmo Neves, que afirma que não vai retirar o programa, argumenta que o Bolsa Família deve ser “um ponto de partida e não a linha de chegada”. Rousseff, simplesmente, lembra que graças aos 12 anos do Governo do PT, a miséria se reduziu no país. Não é raro que os seguidores do PT recorram a uma frase definitiva: “Hoje já não se passa fome no Brasil”.

A 30 quilômetros de Salvador, três mulheres esperam por um ônibus que parece que nunca vai chegar. Não muito longe fica uma praia paradisíaca onde Janes Joplin se refugiou em seus tempos de hippie. Nem muito longe tampouco, nessa brutalidade de contrastes que o Brasil oferece, está uma das favelas mais perigosas da região, apelidada (não se sabe por quem) de “Planeta dos Macacos”. A mais velhas das três mulheres, Josefa, tem 48 anos, apesar de aparentar 60: “Graças a Lula tenho casa, comida e uma moto”. A filha, Jacobina, de 29 anos, faxineira diarista, com dois filhos, recebe 147 reais do Bolsa-Família; seu marido, cego, também recebe uma subvenção e confessa que sempre votará no PT. A terceira mulher, Leneovígia, permanece calada e apenas observa. Depois diz: “Eu também recebo o Bolsa Família por causa da minha filha, mas gostaria de não receber. Trabalho cuidando de idosos, tenho diploma, e o que quero é um contrato de trabalho, não uma esmola. Estou cansada de que nos calem a nós, pobres, com esmolas”.

Já em Salvador, no bairro popular de São Cristóvão, Eijane, de 29 anos, que tem quatro filhos, se joga no sofá de seu barraco olhando para um pequeno ventilador que gira desesperadamente sem aliviar em nada o calor. Ao lado, uma televisão grande e moderna. Ela também recebe o Bolsa Família, cerca de 300 reais por mês, e também votará no PT, apesar de dar de ombros quando se pergunta o motivo. Uma de suas filhas, Taimara, de oito anos, chega da escola. Uma das condições para o auxílio é que as crianças frequentem as aulas assiduamente. A menina, sorridente e alerta, diz que quer ser médica ou enfermeira. A mãe, esgotada e morta de calor, responde ao vento, sem olhar para a filha: “Não temos recursos para sermos alguém na vida”.

“Quem ergueu São Paulo? Nós, os do Nordeste do Brasil”

 

A Igreja do Rosário dos Pretos.

Igreja Rosário dos Pretos. Clique nas fotografias para ampliar

Igreja Rosário dos Pretos. Clique nas fotografias para ampliar

Na preciosa igreja de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos, no coração de Salvador (BA), Antônio Nicanor, negro, baiano, católico, simpático e falante, aponta com o dedo para o solo: “Olhe, aqui em baixo, onde você pisa, está enterrado um irmão negro há mais de 300 anos.

Na época não tinham onde cair mortos. Por isso eram enterrados aqui, no único terreno que tinham, na igreja dos negros”. Nicanor pertence à Irmandade dos Homens Pretos, uma confraria criada no século XVI para abrigar a religiosidade dos escravos brasileiros, trazidos da África, que não podiam frequentar as mesmas igrejas que os seus senhores. Nicanor continua falando: “Na Bahia, 80% da população é negra, mas muito poucos cargos importantes são para os negros. Já não há escravidão, mas há uma grande desigualdade”.

O culto é católico, mas tem certa influência africana em alguns rituais, em algumas práticas que provêm do candomblé, religião com origem na África que ainda se pratica no Brasil e, principalmente, com a alegria, o ritmo e a musicalidade que atravessam toda a cerimônia. A missa é cantada durante a maior parte do tempo. No fundo, uma dupla de percussionistas se encarrega de marcar um compasso que chega até o sacerdote, vestido com uma batina verde. Nicanor continua: “Em São Paulo acusam os do Nordeste (composto por nove Estados, incluída a Bahia) de preguiçosos. Mas fomos nós, nossos migrantes, os que ergueram São Paulo. Não somos desocupados. Somos alegres. Não somos preguiçosos. Só sabemos viver de outra maneira”. Em seguida, conclui: “Antes enterrávamos os irmãos mais pobres. Agora, olhe: ali no primeiro andar da igreja damos aulas grátis de informática para os irmãos mais pobres”.

 

Ariano Suassuna, nacionalista e popular

Diário reinando mágico

por Urariano Mota

Ariano Suassuna, pelo menos há mais de 30 anos, esteve sempre em pleno exercício da glória. Contrariando o adágio de que ninguém é profeta em sua terra, Ariano Suassuna é, foi querido em Pernambuco, na Paraíba, no Brasil e no mundo. Sem deixar Pernambuco. Sem deixar o bairro de Casa Forte, onde morava. Ainda a semana passada em Garanhuns, no Festival de Inverno da cidade do interior de Pernambuco, para ouvi-lo as filas dobravam esquinas, ou quarteirões, como se chamam em São Paulo.

Caso raro também de escritor, ele sabia falar, tão bem ou melhor que escrevendo. Ele usava a fala, o dom de contar estórias, como poucos atores já vi até hoje. Os atores de palco, os humoristas de profissão, até mesmo os do gênero que chamam agora de comédia stand-up, um nome que Ariano teria horror, stand-up, fiquem de pé, em pé, por favor, para melhor estudá-lo. E não adianta fazer dele a caricatura, os traços exteriores, porque o fundamental do escritor, a complexidade do ser, a cultura e vivência são irreproduzíveis.

Ele dizia: “A minha voz é feia, fraca, baixa e rouca, eu tenho essa dificuldade”. E ganhava de imediato o auditório, com um sem se dar importância, como um ótimo ator e estudioso da psicologia humana, do público, que ele mantinha na rédea, à mão. “Eu sou um palhaço frustrado”, ele dizia nas palestras. Insuperável em contar histórias, todas acontecidas. Como a história dos doidos, na inauguração de um hospital para loucos na Paraíba. Na inauguração do sanatório, que aplicava a psicoterapia do trabalho, os doidos entraram em fila com os carros de mão. Um deles entrou com o carro invertido, virado. Ao ser recriminado, o louco diferente respondeu: “eu sei, doutor, que o meu carro está errado. Mas se eu botar o carro certo, eles botam pedra pra eu carregar”. E Ariano dizia que admirava os loucos porque eles têm um ponto de vista original, como os escritores devem ter.

Noutra, ele contava que o doido oficial de Taperoá, terra natal, ficou uma vez com o ouvido colado num muro da cidade, e as pessoas começaram a imitá-lo, pondo o ouvido no muro também. Até que uma pessoa normal, com o ouvido no muro, reclamou pro doido oficial: “eu não estou ouvindo nada”. Ao que o doido oficial respondeu: “Não é? Desde manhã que tá assim”. Era um sucesso absoluto no auditório.

Na homenagem que faço a ele, no Dicionário Amoroso do Recife, escrevi:

“…tudo o que Chico Anysio, Lima Duarte e Rolando Boldrin tentam fazer na televisão, conversando, há muito Ariano vem fazendo: ele é um humorista narrador de casos, ajeitados à feição de vivíssimos causos. Ele é um showman sem smoking, metido em roupa de caroá, ou em calça e camisa de brim cáqui… (Mas em se tratando de Ariano Suassuna, melhor dizê-lo palhaço sem fantasia na vestimenta)

a gente não sabe se Ariano Suassuna criou o seu personagem, ele próprio, Ariano, ou se o seu personagem criou o narrador de auditório, Ariano. Conversando, ou melhor, somente ele falando, parece que conversa, porque ele narra de um modo que nos mergulha no meio da sua narração. Ele gera a ilusão da conversa pela comunhão, até mesmo pela cumplicidade, com os fatos narrados.

Ariano, ‘conversando’, é ator de picadeiro sem trejeitos ou caretas, que substitui pelos movimentos da voz, pelas inflexões na fala, pela escolha de palavras chãs, pelo rasgo de olhos pícaros que nos fitam, acompanhando o efeito das armadilhas que lança. Ele narra nesse ator – ele próprio – pela ambientação que situa, uma ambientação absolutamente econômica de cenários, cenários só personagens, e, o que reforça a ilusão de conversa, ele aparenta ser também ouvinte, quando na verdade faz pausas de radar, para ver como se refletiram aqueles sinais que lançou”.

Foi um nacionalista sem trégua. Amante do povo brasileiro, amante incurável, sem remédio ou subserviência. Dizia ele, lembrando Machado de Assis: “ ‘No Brasil existem dois países: o Brasil oficial e o Brasil real’. Eu interpreto”, dizia Ariano Suassuna, “que o Brasil oficial é o nosso, dos privilegiados. E o país real é o do povo. E Machado dizia: ‘o país real é bom, revela os melhores instintos. Mas o país oficial é caricato e burlesco’”. Falava mais Suassuna: “a classe dirigente do Brasil quer que o Brasil seja uns Estados Unidos de segunda ordem. Eu não quero nem que seja Estados Unidos de primeira. Eu quero que o Brasil seja o Brasil de primeira..”. Amado por todos, até mesmo pela vanguarda, que ele mais de uma vez hostilizou. É verdade, ele era um conservador em matéria de costumes e de arte. Pra se ter uma ideia, ele nunca aceitou o teatro de Nelson Rodrigues, por achá-lo um amontoado de perversão e perversidade. Mas isso pouco importa agora. O mais importante é destacar que ele era um humanista, um conhecedor de humanismo clássico, um homem cultíssimo, que falava sobre a literatura picaresca na Espanha antes de Cervantes. Um erudito que se disfarçava bem na fala de sertanejo, no sotaque pernambucano, nordestino entranhado.

No seu amor pelo povo, no nacionalismo que busca o melhor da civilização brasileira, era um exemplo a ser seguido por todos escritores brasileiros.

Recife é a cidade cosmopolita mais provinciana em linha reta do mundo

por André Raboni

prédios

Recife sempre foi considerada a “capital do Nordeste” – desde quando o nordeste foi inventado, em meados do século 20. Antes disso, era considerada uma das cidades portuárias mais importantes do Brasil – desde quando o Brasil foi inventado, ao longo do século 19. No período colonial, a província de Pernambuco era uma das principais forças econômicas da colônia portuguesa e, claro, Recife era o principal centro da província.

Durante muito tempo, os filhos do Recife partiam para conviver durante alguns anos com as altas culturas europeias e voltavam para a província a esbanjar com mais vigor o seu nariz de senhorzinho de província. Uma viagem à Europa era um investimento familiar que rendia grandes dividendos no trato público: era a diplomação da respeitabilidade social e a garantia de um bom nome na praça.

No entanto, os ~bons~ filhos das castas recifenses, se iam a Paris com a ignorância pendurada no chapéu, regressavam de Paris igualmente ignorantes mas com uma novidade na lapela: a arrogância.

Essa mistura exótica da ignorância com a arrogância foi o que nos deu este doce presente: nos tornamos a cidade cosmopolita mais provinciana em linha reta do mundo.

Há quem acredite com fervor que a verticalização da cidade é sinônimo de progresso. Aliás, para muita gente o maior sonho de consumo é morar num espigão de trocentos andares com azulejos de banheiro.

Novo Recife e #OcupeEstelita

O Cais José Estelita é, talvez, a área mais nobre do Recife. A afirmação pode ser absurda aos olhos da província, porque o argumento (?) de quem defende o projeto Novo Recife é de que o lugar está abandonado e abarrotado de construções velhas e inúteis, além de cercada de pobres e pobreza. Com isso se forma a frase: “o que vier será bom”, e acabou-se o debate.

Um consórcio entre a Moura Dubeux, Queiroz Galvão e Ara Empreendimentos comprou o terreno da Rede Ferroviária Federal (RFFSA), que você vê na foto abaixo:

Cais-J-Estelita

O terreno está abandonado. Todo lascado, diria em boa linguagem Pernambucana. Mas a área é nobre porque, embora esteja completamente abandonada, se situa numa orla belíssima na melhor paisagem do Recife. Vivemos um completo abandono da prefeitura ao longo de várias gestões. Esse abandono do poder público criou o buraco perfeito para a indústria imobiliária tomar conta e decidir o futuro do Recife.

O avanço da indústria imobiliária sobre o destino da cidade ficou muito fácil, porque se de um lado temos uma parcela da população que jura de pés juntos que “bairro nobre é o bairro das Graças, Jaqueira e Boa Viagem”, por outro temos uma parcela extremamente ausente do debate sobre a cidade. Com um poder público completamente inerte, fica tudo ainda mais fácil.

Ontem uma multidão passou o dia no Cais José Estelita. Estive lá e vi professores, estudantes, artistas, médicos, advogados, arquitetos e urbanistas, filósofos, historiadores, sociólogos, enfim, um monte de gente que está bem longe de ser o que a jornalista Téta Barbosa chamou em seu blog de “hippie de butique com iPhone na mão”. Não sei se a moça, que mora em Aldeia e já fez trabalhos para a Moura Dubeux, estava lá na manifestação, ou se fala por mero recurso retórico.

(Update 16/04 às 21h: Um amigo acaba de me informar que a jornalista não está mais morando em Aldeia, mas no bairro das Graças)

Subtraindo toda a retórica apressada e sem graça da moça, dois substratos do texto valem ser citados. Primeiro quando ela afirma que não entende como pessoas que moram em prédios façam protestos contra a construção de prédios. Em seguida ela atira sem direção e diz que “é fácil ser hippie de butique e protestar tirando foto com iphone” (talvez só seja legítima nestes casos a participação via Twitpic).

Faço nem ideia de quais interesses movem a publicitária que fez propagandas dos prédios da Moura Dubeux (empresa que fraudou o leilão do terreno onde estão as duas torres no Cais de Santa Rita), mas a depreender do texto, eles parecem maior que seu interesse pela cidade do Recife – que, a se medir pela sua fuga pra Aldeia (legítima, diga-se de passagem), percebe-se que não seja dos maiores.

Bem. Pessoas que moram em prédios têm toda a legitimidade de serem contra a construção de, de, de… prédios – ou a moça acha que as pessoas que moram em prédios devem se sentir as mais felizes e realizadas Pollyanas Moças da face da terra? Morar em prédio não é o sonho de consumo de muita gente, pois muitas famílias moram neles por total necessidade financeira, pois não têm condições de morar num refúgio no meio do mato em Aldeia, ou numa casa no Parnamirim. Além disso, morar em prédio está bem longe de significar que se quer que toda a cidade seja uma imensa floresta de espigões com azulejos de banheiro.

Descontando o desconhecimento aparente da história da cidade ao afirmar que o Cais José Estelita está abandonado há 300 anos, achei interessante quando perguntou “porque (sic) só agora que resolveram fazer alguma coisa nele, é que decidiram protestar?”

É um fato que nossa sociedade vive uma desmobilização impressionante. Embora nos ensinem nas escolas que Recife é uma cidade de tradição libertária e revolucionária, sentamos nossas bundas nos sofás e nos sentimos bem com esse ensinamento. Esse bem-estar comodista nos fez a população mais apática em linha curva da América Latina, e que descobriu no “slaktivismo” (a militância de sofá) uma forma de se sentir melhor por não fazer patavina pelo bem comum.

Mas a manifestação que levou mais de mil pessoas neste domingo ao Cais José Estelita foi um momento importante pra cidade na busca de tentar reverter tanta apatia e comodismo na cidade. E se havia pessoas na manifestação que desconhecem o projeto Novo Recife, talvez seja não só pela desmobilização, mas porque ele foi MUITO mal divulgado. E nada melhor para sair do desconhecimento do que se encontrar com outras pessoas que conhecem o projeto.

Analiso a manifestação de ontem como uma massificação inicial do debate, que já vem acontecendo. Uma discussão muito bem fundamentada está sendo desenvolvida no blog Direitos Urbanos, desde a audiência pública que lotou a Câmara de Vereadores do Recife para discutir o ainda pouquíssimo divulgado projeto Novo Recife.

Se há pessoas que não conhecem o projeto, essa é a hora de entrar na discussão e conhecer as pessoas e as ideias que estão circulando, seja para apoiar ou para contrariar. Ao longo de décadas o que vemos são manifestações estritamente estudantis nas ruas, ou no máximo protestos do MST (que as manchetes de jornais logo se horrorizam anunciando “Baderneiros do MST atrapalham o trânsito”).

Aliás, eis aqui mais um retrato do nosso provincianismo pujante:

Quando há um protesto na Grécia ou na Espanha, quem participa do protesto é tratado como “manifestante”. Mas quando há um protesto aqui no Brasil, não passam de vagabundos, baderneiros ou hippies de boutique a ocupar as ruas com seus iPhones para postar no seu Instagram.

Os cantadores e o jornalismo de cordel

Os cantadores do sertão do Nordeste brasileiro ainda hoje perpetuam lendas, vendendo folhetos nas feiras ou cantando de cidades em cidades. Também realizam um jornalismo cantado e/ou escrito, comentando fatos nacionais ou internacionais.

São tão criativos que influenciaram ou predominam nos romances, poesia, peças teatrais e cinema de nomes famosos. Notadamente Dias Gomes, Glauber Rocha, José Lins do Rego, Jorge Amado, Ascenso Ferreira, Jorge de Lima, Joaquim Cardozo, João Cabral de Melo Neto, Moacir Japiassu e Ariano Suassuna.

Pelo Nordeste, e cidades de retirantes nordestinos como São Paulo, são realizados vários congressos de cantorias.

“O homem que deu à luz um menino”, poema de cordel de Manoel Caboclo, foi incluído por Ítalo Moriconi, entre “Os Cem Melhores Poemas Brasileiros do Século”.

O que há de novo é o acordar de estudantes universitários para essas raízes populares. Um nome importante é Anaíra Nahin. Escute