por Talis Andrade
—
Meu passado
o ali do matuto
Meu futuro
fica bem aqui
um tempo curto
que não curto
O ali onde tudo
é distante
a casa
a água da fonte
o campo de pastoreio
por Talis Andrade
—
Meu passado
o ali do matuto
Meu futuro
fica bem aqui
um tempo curto
que não curto
O ali onde tudo
é distante
a casa
a água da fonte
o campo de pastoreio
por Talis Andrade
—
Para não ficar parado
sem fazer nada
preciso dar um empurrão
no tempo
Não sei se para frente
se para trás
No passado
apenas avisto os mortos
Não quero o tempo parado
nem quero pressa
Quanto mais o tempo corre
mais perto chego
do fim
de Talis Andrade
—
Nenhum pregão dos ambulantes
na feira
nem a alegria das brincadeiras
das crianças no parque
nem a voz de um transeunte perdido
nem o sussurro dos amantes
escondidos
Nenhum som de chuva
no telhado
de ventania nas janelas
Nenhum bater de asas
Fora e dentro da casa
o desgosto
o silêncio do abandono
Na solidão da casa vazia
os espelhos não refletem
nenhum rosto
Não existem fantasmas
na solidão
No Dia Mundial do Orgasmo, dia 3l de julho, comemorado sexta-feira última, pelas elites, marajás e Marias Candelária, o portal da Editora Degustar transcreveu:
“O orgasmo é o momento de maior prazer sexual que uma pessoa tem durante o sexo, ou ainda durante a masturbação. Ele pode ser experimentado tanto por mulheres como também por homens, e dura apenas alguns segundos.
Algumas redes de sex shops da Inglaterra criaram informalmente o Dia Mundial do Orgasmo. Estes estabelecimentos realizaram pesquisas com o público, onde foi revelado que 80% das mulheres inglesas não atingem o clímax durante o sexo.
O Dia Mundial do Orgasmo é comemorado em 31 de julho em diversos países. No Brasil, por exemplo, 30% das mulheres confessaram não ter orgasmos, 35% que têm alguma dificuldade de sentir desejo e 21%, que sentem dor na relação sexual. Claro que esses não são números isolados. A mesma mulher pode manifestar os três sintomas simultaneamente e isso perfaz 49%, mas aproveitando a data comemorativa, pensar na intimidade e suas potencialidades para a busca do prazer pode ser uma boa pedida.”
(Fonte: Dra. Carmita Abdo é médica, professora de psiquiatria e coordenadora geral do ProSex, Projeto de Sexualidade do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo)
O orgasmo depende de tempo. O trabalhador brasileiro, terceirizado, não tem tempo para descanso, lazer, para cuidar das crias. Trabalha oito, dez horas por dia. Gasta horas preso dentro de um ônibus para ir trabalhar e voltar para a casa miserável, que reside no cu do mundo.
A famosa rapidinha, uma vez por semana, ou a cada mês, não faz ninguém feliz. Trepa bem quem tem tempo, dinheiro e saúde.
Uma deputada constituinte governista no Equador propôs que o direito das mulheres à felicidade sexual seja garantido pela lei do país. A questão não é criar uma lei do orgasmo.
Com o rasga da CLT, o trabalhador brasileiro tem vida de escravo.
Nas senzalas existia o negro reprodutor. O trabalho dele era fazer menino. Não pegava no pesado. Pegava sim as meninas virgens prontas para procriar. O tempo dele era maneiro
Escreve Walter Passos: “O reprodutor, sempre um escravizado forte e de boa saúde era tratado diferentemente da escravaria. Não realizava trabalho pesado, era bem alimentado e dispunha de muitas horas para o descanso. Era o mais cobiçado e valioso”.
– Você não sentia pena das escravas?
João olha-me como se eu fosse alguém tão distante da escravidão, que não consegue entender o mundo das senzalas.
– Por que ia sentir? Nos tava lá para isso, para reproduzir. O fazendeiro precisava de negrinho pra levar na feira.
– O barão de Guaraciaba deixava descendentes dele serem vendidos em feiras?
– Não fui reprodutor na fazenda do meu avô. Saí de lá com dezessete anos: meu pai me deu pra dom Pedro II e fui morar em Petrópolis. Quando tinha 23 anos, dom Pedro II me presenteou ao barão do Rio Branco. Fui morar na Fazenda dos Correia, do barão do Rio Branco, também em Petrópolis. Foi lá que comecei o trabalho de reprodutor.
– Você disse que as escravas ficavam trancadas com você durante um mês. E depois?
– Depois que tavam enxertadas, iam trabalhar: umas na roça, outras na cozinha, em qualquer serviço.
– E você?
– O fazendeiro me mandava tomar um pouco de ar. Eles era branco, mas era bom.
O salário mínimo do Brasil do ano 2015 trabalha mais que um escravo antes da Lei dos Sexagenários (1885)?
O escravo era uma peça cara, cujo desgaste, doença ou morte custava caro para o dono.
Quanto vale, para o patronato, um trabalhador hoje?
Quem tinha mais tempo livre para o amor, o trabalhador escravo ou o trabalhador terceirizado?
por Urariano Mota
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Hoje, uma das vozes fundamentais do mundo completaria 80 anos. Recupero para ela. Num domingo de 2009, ao saber da notícia do falecimento de Mercedes Sosa, a minha filha disse à mesa: “e eu perdi… eu sabia que nunca mais ia ter outra oportunidade ”. Ela se referia a uma apresentação da artista no Recife naquele ano, a que ela não pôde ir. Esse “eu perdi” ficou.
Mas era domingo, dia de trégua, e joguei ou perdi a má notícia a um canto, pensando que a esqueceria. No outro dia, em meu blog, o leitor Joca Ramiro reclamou: “acho que deverias escrever um texto sobre alguém a quem aprendemos a gostar e respeitar, mas que nesse domingo 4/10/2009 nos deixou, nada mais nada menos que a divina Mercedes Sosa”.
E para evitar a emoção, como um capoeira malandro, evitei o golpe, fiz um círculo e me furtei. Mas se furtar à luta não é o mesmo que resolvê-la, porque o chamamento à roda nos clama, persegue e agarra: para onde vais, fujão? Agarrado então imagino que deve haver um modo de falar sem ir ao fundo, com um modo objetivo e esquivo. Algo como pesquisar, copiar e colar como se fosse um colador de figurinhas.
Na figurinha número 1, assim fala a primeira informação:
“Mercedes Sosa (San Miguel de Tucumán, 9 de julho de 1935 — Buenos Aires, 4 de outubro de 2009) foi uma cantora argentina de grande apelo popular na América Latina. Com raízes na música folclórica argentina, ela se tornou uma das expoentes do movimento conhecido como Nueva canción. Apelidada de La Negra pelos fãs devido à ascendência ameríndia (no exterior acreditava-se erroneamente que era devido a seus longos cabelos negros), ficou conhecida como a voz dos ‘sem voz’”.
La Negra, porque descendente de índio na Argentina, é um pouco forte, não? Adiante. E já que falamos da negra, nos jornais do dia estava a seguinte figurinha:
“Ainda sob o impacto da notícia da morte da cantora, no domingo, Braceli, que prepara um volume atualizado com histórias da vida de Sosa, falou à Folha sobre as memórias com ‘La Negra’, como era chamada. Uma delas viveu com Milton Nascimento dentro do carro da cantora, que adorava dirigir em alta velocidade. “Íamos sete pessoas no automóvel – Mercedes, Milton e eu na frente. Perto do Aeroparque [aeroporto para voos domésticos em Buenos Aires], o carro parou em plena linha de trem. Ao longe, vinha uma locomotiva e, naturalmente, vivemos segundos de inquietação. Milton, não. Ele aumentou o volume do toca-fitas. Depois do susto, perguntei porque fez aquilo e ele disse: “Porque, se aquele era o final, seria o final mais feliz da minha vida”. Escutávamos a Negra cantando uma música dele”.
Esses artistas, essa Negra Mercedes, esse Negro Milton, eles pegam e chamam a gente para valores fundamentais. Pois que prazer e felicidade são esses que os levam a fechar os olhos a ouvir acordes enquanto um trem avança sobre seus corpos? Como se pode morrer feliz aos pedaços da própria carne?
“Volver a los diecisiete después de vivir un siglo
Es como descifrar signos sin ser sabio competente,
Volver a ser de repente tan frágil como un segundo
Volver a sentir profundo como un niño frente a dios”
Este colador profissional ouve agora a voz de Mercedes Sosa. E cola nesta altura o que lhe vem dentro: coisa boa é a mecânica, a tecnologia a serviço da arte. Graças a essa coisa fria, a essa mecânica, eletrônica, podemos ouvir agora uma vez mais La Negra. Aquela voz absoluta e total, quente como um leite de mãe gorda, que toma conta da gente em um grito:
“El tiempo pasa nos vamos poniendo viejos
Yo el amor no lo reflejo como ayer
En cada conversación cada beso cada abrazo
Se impone siempre un pedazo de razón”
Pero todo cambia, tudo muda, amiga:
“Cambia el clima con los años
Cambia el pastor su rebaño
Y así como todo cambia
Que yo cambie no es extraño”
Essa mudança, em lugar de nos trazer uma desesperança, uma angústia, quando olhamos os estragos que o tempo fez nos lugares e pessoas amadas, é também uma esperança para as coisas que construiremos, que agora são possíveis, porque, amiga Negra, tudo muda. Tudo muda, até mesmo ter um índio no governo da Bolívia. Tudo muda, até mesmo ver o Brasil como um personagem da história do mundo.
Um jornal argentino, de modo tacanho, anunciou naquele dia, e esta é minha última figurinha que colo: “El alma de Mercedes Sosa vivirá em Tucumán, Buenos Aires y Mendoza”, porque “parte de las cenizas de la cantora, fallecida el domingo a los 74 años, serán esparcidas en la ciudad mendocina de Guaymallén el domingo 18. La ceremonia se repetirá en la provincia de Buenos Aires y Tucumán, tres sitios fundamentales de la carrera de la querida ‘Negra’”.
Que modo mesquinho, objetivo e burro de ver a realidade. As cinzas, que são matéria, e porque matéria, perecíveis, estarão de fato em Tucumán, Buenos Aires e Mendoza. Pero tu alma, Mercedes, es universal. Ela estará em todos os lugares onde cantemos e cantaremos gracias a la vida, que nos deu tanto, tanto, até mesmo uma cantante como tu.
.
POR TRÁS DO ESPELHO
Há muito tempo
me fragmento
por trás do espelho
Há muito tempo
não me animo
sair para rua
O isolamento vicia
Há muito tempo
se aparecesse
uma companhia
não saberia
compartir
os espaços
do dia
Há muito tempo
o tormento
de um isolamento
que nenhum deus vigia
.
SEMPRE PERTO E LONGE
Qualquer parte
do meu corpo
atingida por estranhos
minha mãe
lavava com água
gelo e neve
Minha mãe
esterilizava com álcool
Livre dos contágios
meu corpo
foi ficando
frio como o gelo
puro como a neve
Para continuar imune
passei a não deixar
fossem tocadas
as partes íntimas
do meu corpo
Fui me distanciando
me distanciando
e assim ando
sempre longe
de quem amo
.
FRIGIDEZ DE DAFNE
Insensibilizado corpo
de Dafne
O coração atingido
por uma flecha
uma flecha
com ponta de chumbo
Uma flecha de ponta
rombuda
de envenenado chumbo
frio e invernal
Insensibilizado corpo
insensibilizado coração
Um coração que não ama
um coração que não sangra
bate no peito
de um morto
.
O INTOCÁVEL
Nasci intocável
como um judeu
forçado a exibir
costurada
nas vestes brancas
a marca amarela
de uma rodela
Nasci intocável
como um leproso
anunciando com um sino
a temida aproximação
Um leproso vestido
com comprida túnica
até os tornozelos
a comprida túnica
com um ele marcada
a túnica vermelha
com guizos pendurados
Nasci intocável
como um leproso
o rosto dissimulado
em um cônico capuz
.
O CORPO INTERDITO
A desdita de me consumir
no não-dito
na síndrome de pânico
no corpo interdito
A desdita de me consumir
no medo da entrega
no que poderia advir
além do muro
que ergui
entre eu e você
entre eu e o mundo
.
EMPEDRADO CORPO
Insensível como uma pedra
um urso hibernando
insensível como uma pedra
um boi ruminando
paisagens cinzas e capim
não tenho olhos para o vôo de uma borboleta
não me encanto com o canto de um pássaro
não farejo o perfume de uma rosa
a rosa que revelaria o secreto jardim
Sou insensível como uma pedra
que cobre um cadáver
em um cemitério clandestino
Em alguma curva da vida
encruzilhada de despachos
uma bruxa me transformou em pedra
Uma pedra que não marca
nem desmarca
Simplesmente uma pedra
—-
Do livro inédito O Cantar das Pedras, de Talis Andrade
INTACTOS
por Nei Duclós
Não cante vantagens
no lance da idade
o tempo é democrático
entre sonho e estrago
.
O espelho diz a verdade
na história em camadas
confie no milagre
permanecemos intactos
.
o olhar é o mesmo
na tua voz em conflito
só o corpo desiste
de agradar o infinito
.
o amor é o bálsamo
que nos mantém vivos
o rosto de louça
nos vitrais antigos
SINTO QUE O MÊS PRESENTE ME ASSASSINA
por Mário Faustino
.
Sinto que o mês presente me assassina,
As aves atuais nasceram mudas
E o tempo na verdade tem domínio
Sobre homens nus ao sul das luas curvas.
Sinto que o mês presente me assassina,
Corro despido atrás de um Cristo preso,
Cavalheiro gentil que me abomina
E atrai-me ao despudor da luz esquerda
Ao beco de agonia onde me espreita
A morte espacial que me ilumina.
Sinto que o mês presente me assassina
E o temporal ladrão rouba-me as fêmeas
De apóstolos marujos que me arrastam
Ao longo da corrente onde blasfemas
Gaivotas provam peixes de milagre.
Sinto que o mês presente me assassina,
Há luto nas rosáceas desta aurora,
Há sinos de ironia em cada hora
(Na libra escorpiões pesam-me a sina)
Há panos de imprimir a dura face
À força de suor, de sangue e chaga.
Sinto que o mês presente me assassina,
Os derradeiros astros nascem tortos
E o tempo na verdade tem domínio
Sobre o morto que enterra os próprios mortos.
O tempo na verdade tem domínio
Amém, amém vos digo, tem domínio
E ri do que desfere verbos, dardos
De falso eterno que retornam para
Assassinar-nos num mês assassino.
POEMAS AOS HOMENS DO NOSSO TEMPO
por Hilda Hilst
.
XIV
Não há bombas limpas
Mário Faustino
Bombas limpas, disseram? E tu sorris
E eu também. E já nos vemos mortos
Um verniz sobre o corpo, limpos, estáticos,
Mais mortos do que limpos, exato
Nosso corpo de vidro, rígido
À mercê dos teus atos, homem político.
Bombas limpas sobre a carne antiga.
Vitral esplendente e agudo sobre a tarde.
E nós na tarde repensamos mudos
A limpeza fatal sobre nossas cabeças
E tua sábia eloqüência, homens-hienas
Dirigentes do mundo.
Existe, além da parede,
a espessa aspereza do tempo.
Todo olhar é denso
quando contempla o outro.
(Mergulhamos na fotografia
impressa da memória
e ficamos retidos,
adereços discretos da paisagem.)
Espera o fruto.
A hora se biparte e o alçapão está fechado.
Atinges o momento do ciclone,
a órbita aberta do planeta.
Espera a volta.
Teus ombros nus encostados na parede,
tua face na penumbra,
retendo as luzes do quarto.
.
.
—
In “Areal”, de Thereza Christina Rocque da Motta (Dolphin, 1995).
TERCEIRO POEMA DE CARNAVAL
por Walmir Ayala
Nublado estou de ti. Os curtos dias
rodam cheios de sombra, e és claridade
prato de amor deixado à minha porta
com plumagem precoce e rude garra.
E me nublas. Promessa anunciada
em meu escuro sonho decepado,
sangue a fluir direto da ferida,
inesperado. Nublas meu gemido.
E a visão que te vejo, anjo nublado,
é como atrás de um vidro estar chovendo
e estares deste lado me cobrindo
com largas mãos os olhos ansiosos
de dor, de tanto à dor andarem dados,
e teres, sem saber, me renovado.
A WALMIR AYALA
por Lúcio Cardoso
.
Quando Walmir florescer
esta coisa obscura,
este inseto ciente
de sua cor
e de seu fim
– quando o giro disser
este olho de ouro
este cisne
de opala a nadar
– é que o tempo
começa.
Sempre começa o tempo
nesta hora,
sempre
nesta bruma
começa. Tempo
é coisa breve.
Tempo é breve
– coisa por começar.
Se ouço, falo:
Se calo, escuto –
fala o tempo e a bruma.
Existir é recomeçar.