QUANDO O TEMPO PARA

de Talis Andrade

Nenhum pregão dos ambulantes
na feira
nem a alegria das brincadeiras
das crianças no parque
nem a voz de um transeunte perdido
nem o sussurro dos amantes
escondidos

Nenhum som de chuva
no telhado
de ventania nas janelas
Nenhum bater de asas

Fora e dentro da casa
o desgosto
o silêncio do abandono

Na solidão da casa vazia
os espelhos não refletem
nenhum rosto
Não existem fantasmas
na solidão

Quase cem anos de solidão

por Talis Andrade

  MANIFESTO

            A verdadeira poesia nasce livre
livre da métrica
da rima
do fanatismo

            Força que arrebata
contraditória força que en
leva ao azul
claro azul do céu

            ou nos atira na solidão extrema
de doloroso profundo abismo

O NÍVEL DO VAZIO

A condenação da régua
da solidão
o nível do vazio

Não há sensação de frio
de calor
Não há sensação
de sede de fome
e dor

Há esta ausência
do Eu
da alma
e de Deus

OS PREDADORES 

      Viver conviver entre parceiros
Os caçadores dividem o butim
Os caçadores o tiro certeiro
partilham a carne ensanguentada
a vermelha carne dos inocentes
a sacrificada carne do holocausto
Eu vim para ser sozinho

            DA RESIGNAÇÃO

            Um cigarro
depois do outro
Uma mulher
depois da outra
Entre taças de vinho
mil copos de chope
fui desfiando a vida
sem medo dos espias
e dos mensageiros
das notícias ruins

            Não faltarão juízes
o cochicho dos delatores
o testemunho invejoso
– Irresponsavelmente desperdiçou
fortuna e sinecura
em bares e vaginas

            Os homens enterrem
botijas de ouro
As mulheres envelheçam
longe de mim

            Que me arranjo sozinho

  A VIA REAL

      Somos errantes
eternos andantes
de uma alongada/
curta jornada

      Somos sozinhos
eternos errantes
nunca saberemos
entre tantos caminhos
se estamos percorrendo
a via real

      Na peregrinação para Lourdes
Mariazell Santiago de Compostela
pelos caminhos de Jerusalém
continuaremos sozinhos
sempre esperando
o convite amigo Vem
Vem comigo

 POR TRÁS DO ESPELHO

      Há muito tempo
me fragmento
por trás do espelho

      Há muito tempo
não me animo
sair para rua

      O isolamento vicia

      Há muito tempo
se aparecesse
uma companhia
não saberia
compartir
os espaços
do dia

      Há muito tempo
o tormento
de um isolamento
que nenhum deus vigia

—-
Seis poemas de livros inéditos

PAPA FRANCISCO Hoje em dia, a casa vai ficando vazia

Em último dia de sua passagem por Cuba, Papa Francisco enalteceu a família como escola da humanidade. A família nos salva da colonização do dinheiro
Papa Francisco saudou família que partilhou com a comunidade sobre as dificuldades de viver uma ‘igreja doméstica’. Foto CTV

Papa Francisco saudou família que partilhou com a comunidade sobre as dificuldades de viver uma ‘igreja doméstica’. Foto CTV

Para Francisco, diante de uma sociedade administrada pela tecnocracia econômica, é necessária uma nova aliança do homem e da mulher para emancipar os povos da “colonização do dinheiro”. Esta aliança, defendeu o Papa, deve voltar a orientar a política, a economia e a convivência civil.
Desta aliança, a comunidade conjugal-familiar do homem e da mulher é a gramática gerativa. Deus confiou à família não o cuidado de uma intimidade fim em si mesma, mas o projeto de tornar “doméstico” o mundo.

“Propriamente a família está no início, na base desta cultura mundial que nos salva; nos salva de tantos ataques, destruições, colonizações, como a do dinheiro e a das ideologias que tanto ameaçam o mundo. A família é a base para defender-se”, disse o Papa.

Francisco salientou que tudo o que acontece entre o homem e a mulher deixa marcas na criação. Em concreto, o pecado original – a rejeição à bênção de Deus – adoeceu o mundo. Mas, recordou, Deus nunca abandonou o homem; no livro do Gênesis, a promessa feita à mulher parece garantir a cada nova geração uma bênção especial para defender-se do maligno.

“Existem muitos clichês, às vezes ofensivos, sobre a mulher sedutora que inspira o mal. Ao invés, há espaço para um teologia da mulher que seja à altura desta bênção de Deus para ela e para a geração!”, defendeu.

Cristo, recordou o Papa, nasceu de uma mulher. “É a carícia de Deus sobre as nossas chagas, nosso erros e pecados. Mas Deus nos ama como somos e quer levar-nos avante com este projeto, e a mulher é a mais forte a levá-lo avante.”

Francisco ressaltou que a promessa que Deus faz ao homem e à mulher inclui todos os seres humanos até o fim da história. “Se tivermos fé suficiente, as famílias dos povos da Terra se reconhecerão nesta bênção. Caminhando juntos, sem fazer proselitismo”, disse o Papa, pedindo a bênção de Deus às famílias de todos os ângulos da Terra.

Família, escola da humanidade

por Alessandra Borges

Em seu último dia de visita pastoral a Cuba, o Papa Francisco se encontrou com a famílias cubanas na Catedral de Nossa Senhora da Assunção, nesta terça, 22, na cidade de Santiago. Em seu discurso, o Pontífice agradeceu o acolhimento que recebeu em sua passagem pelo arquipélago, enaltecendo que se sentiu em casa durantes estes dias.

“Concluir a minha visita vivendo este encontro em família é motivo para agradecer a Deus pelo ‘calor’ que brota de gente que sabe receber, que sabe acolher, que sabe fazer sentir-se em casa. Obrigado!”, disse Francisco.

Papa Francisco iniciou o seu discurso agradecendo a coragem de um casal que testemunhou para todos os presentes “os seus anseios e esforços para viver no lar como uma ‘Igreja doméstica’”.

“A comunidade cristã designa as famílias pelo nome de igrejas domésticas, porque é no calor do lar onde a fé permeia cada canto, ilumina cada espaço, constrói comunidade; porque foi em momentos assim que as pessoas começaram a descobrir o amor concreto e operante de Deus”, explicou o Papa.

Utilizando-se do Evangelho de São João na passagem bíblica das bodas de Caná, e também a relação de amizade de Jesus com Lázaro, Marta e Maria, o Santo Padre exemplificou sobre a importância do ambiente familiar e das relações de amor e afeto que se formam.

“Jesus escolhe estes momentos para nos mostrar o amor de Deus, Jesus escolhe estes espaços para entrar nas nossas casas e ajudar-nos a descobrir o Espírito vivo e atuante nas nossas realidades cotidianas. É em casa onde aprendemos a fraternidade, a solidariedade, o não ser prepotentes. É em casa onde aprendemos a receber e agradecer a vida como uma bênção, e aprendemos que cada um precisa dos outros para seguir em frente. É em casa onde experimentamos o perdão, e somos continuamente convidados a perdoar, a deixarmo-nos transformar. Em casa, não há lugar para ‘máscaras’: somos aquilo que somos e, de uma forma ou de outra, somos convidados a procurar o melhor para os outros”, ressaltou o Papa.

 

Em seu discurso, o Pontífice ressaltou que a família, em muitas culturas, está deixando desaparecer os encontros e as festas familiares. “Sem família, sem o calor do lar, a vida torna-se vazia; começam a faltar as redes que nos sustentam na adversidade, alimentam na vida quotidiana e motivam na luta pela prosperidade”, exortou.

“A família é escola da humanidade, que ensina a pôr o coração aberto às necessidades dos outros, a estar atento à vida dos demais. Apesar de tantas dificuldades que afligem hoje as nossas famílias, não nos esqueçamos, por favor, disto: as famílias não são um problema, são sobretudo uma oportunidade; uma oportunidade que temos de cuidar, proteger, acompanhar”, afirmou o Santo Padre.

Segundo o Papa, quando formos questionados sobre o futuro da crianças, e que tipo de sociedade queremos deixar para elas, devemos responder que é um lugar que exista a presença das famílias.

“É certo que não existe a família perfeita, não existem esposos perfeitos, pais perfeitos nem filhos perfeitos, mas isso não impede que sejam a resposta para o amanhã. Deus incentiva-nos ao amor, e o amor sempre se compromete com as pessoas que ama. Portanto, cuidemos das nossas famílias, verdadeiras escolas do amanhã”, aconselhou o Pontífice.

Após o discurso, Papa Francisco, se dirigiu a parte externa da catedral de Nossa Senhora da Assunção para saudar os fiéis que o aguardavam com palavras de amor e saudação para as famílias.

Discurso do Papa Francisco, no encontro com as famílias na Catedral de Nossa Senhora da Assunção, em 22 de setembro de 2015, Santiago, Cuba

Estamos em família! E quando alguém está em família, sente-se em casa. Obrigado, famílias cubanas! Obrigado, cubanos, por me terdes feito sentir todos estes dias em família, por me terdes feito sentir em casa. Este encontro convosco é como «a cereja sobre o bolo». Concluir a minha visita vivendo este encontro em família é motivo para agradecer a Deus pelo «calor» que brota de gente que sabe receber, que sabe acolher, que sabe fazer sentir-se em casa. Obrigado!

Agradeço a D. Dionisio García, Arcebispo de Santiago, a saudação que me dirigiu em nome de todos e ao casal que teve a coragem de partilhar com todos nós os seus anseios e esforços para viver o lar como uma «igreja doméstica».

O Evangelho de João apresenta-nos, como primeiro acontecimento público de Jesus, as bodas de Caná, uma festa de família. Está lá com Maria, sua mãe, e alguns dos seus discípulos partilhando a festa familiar.

As bodas são momentos especiais na vida de muitos. Para os «mais veteranos», pais, avós, é uma ocasião para recolher o fruto da sementeira. Dá alegria à alma ver os filhos crescerem, conseguindo formar o seu lar. É a oportunidade de verificar, por um instante, que valeu a pena tudo aquilo por que se lutou. Acompanhar os filhos, apoiá-los, incentivá-los para que possam decidir-se a construir a sua vida, a formar a sua família, é um grande desafio para todos os pais. Os recém-casados, por sua vez, encontram-se na alegria. Todo um futuro que começa; tudo tem «sabor» a coisas novas, a esperança. Nas bodas, sempre se une o passado que herdámos e o futuro que nos espera. Sempre se abre a oportunidade de agradecer tudo o que nos permitiu chegar até ao dia de hoje com o mesmo amor que recebemos.

E Jesus começa a sua vida pública numa boda. Insere-Se nesta história de sementeiras e colheitas, de sonhos e buscas, de esforços e compromissos, de árduos trabalhos lavrando a terra para que dê o seu fruto. Jesus começa a sua vida no interior de uma família, no seio de um lar. E é no seio dos nossos lares que Ele incessantemente continua a inserir-Se, e deles continua a fazer parte.

É interessante observar como Jesus Se manifesta também nos almoços, nos jantares. Comer com diferentes pessoas, visitar casas diferentes foi um lugar que Jesus privilegiou para dar a conhecer o projeto de Deus. Vai à casa dos seus amigos – Lázaro, Marta e Maria -, mas não é seletivo: não Lhe importa se são publicanos ou pecadores, como Zaqueu. E não era só Ele que agia assim; quando enviou os seus discípulos a anunciar a boa nova do Reino de Deus, disse-lhes: «Ficai na casa [que vos receber], comendo e bebendo do que lá houver» (Lc 10, 7). Bodas, visitas aos lares, jantares: algo de «especial» hão-de ter estes momentos na vida das pessoas, para que Jesus prefira manifestar-Se aí.

Lembro-me que, na minha diocese anterior, muitas famílias me explicavam que o único momento que tinham para estar juntos era, normalmente, o jantar, à noite, quando se voltava do trabalho e as crianças terminavam os deveres da escola. Era um momento especial de vida familiar. Comentava-se o dia, aquilo que cada um fizera, arrumava-se a casa, guardava-se a roupa, organizavam-se as tarefas principais para os dias seguintes. São momentos em que uma pessoa chega também cansada, e pode acontecer uma ou outra discussão, um ou outro «litígio». Jesus escolhe estes momentos para nos mostrar o amor de Deus, Jesus escolhe estes espaços para entrar nas nossas casas e ajudar-nos a descobrir o Espírito vivo e actuante nas nossas realidades cotidianas. É em casa onde aprendemos a fraternidade, a solidariedade, o não ser prepotentes. É em casa onde aprendemos a receber e agradecer a vida como uma bênção, e aprendemos que cada um precisa dos outros para seguir em frente. É em casa onde experimentamos o perdão, e somos continuamente convidados a perdoar, a deixarmo-nos transformar. Em casa, não há lugar para «máscaras»: somos aquilo que somos e, duma forma ou doutra, somos convidados a procurar o melhor para os outros.

Por isso, a comunidade cristã designa as famílias pelo nome de igrejas domésticas, porque é no calor do lar onde a fé permeia cada canto, ilumina cada espaço, constrói comunidade; porque foi em momentos assim que as pessoas começaram a descobrir o amor concreto e operante de Deus.

Em muitas culturas, hoje em dia, vão desaparecendo estes espaços, vão desaparecendo estes momentos familiares; pouco a pouco, tudo leva a separar-se, a isolar-se; escasseiam os momentos em comum, para estar juntos, para estar em família. Assim não se sabe esperar, não se sabe pedir licença ou desculpa, nem dizer obrigado, porque a casa vai ficando vazia: vazia de relações, vazia de contatos, vazia de encontros. Recentemente, uma pessoa que trabalha comigo contava-me que a sua esposa e os filhos tinham ido de férias e ele ficara sozinho. No primeiro dia, a casa estava toda em silêncio, «em paz», nada estava fora do lugar. Ao terceiro dia, quando lhe perguntei como estava, disse-me: quero que regressem todos já. Sentia que não podia viver sem a sua esposa e os seus filhos.

Sem família, sem o calor do lar, a vida torna-se vazia; começam a faltar as redes que nos sustentam na adversidade, alimentam na vida cotidiana e motivam na luta pela prosperidade. A família salva-nos de dois fenómenos atuais: a fragmentação (a divisão) e a massificação. Em ambos os casos, as pessoas transformam-se em indivíduos isolados, fáceis de manipular e controlar. Sociedades divididas, quebradas, separadas ou altamente massificadas são consequência da ruptura dos laços familiares, quando se perdem as relações que nos constituem como pessoa, que nos ensinam a ser pessoa.

A família é escola da humanidade, que ensina a pôr o coração aberto às necessidades dos outros, a estar atento à vida dos demais. Apesar de tantas dificuldades que afligem hoje as nossas famílias, não nos esqueçamos, por favor, disto: as famílias não são um problema, são sobretudo uma oportunidade; uma oportunidade que temos de cuidar, proteger, acompanhar.

Discute-se muito sobre o futuro, sobre o tipo de mundo que queremos deixar aos nossos filhos, que sociedade queremos para eles. Creio que uma das respostas possíveis se encontra pondo o olhar em vós: deixemos um mundo com famílias. É certo que não existe a família perfeita, não existem esposos perfeitos, pais perfeitos nem filhos perfeitos, mas isso não impede que sejam a resposta para o amanhã. Deus incentiva-nos ao amor, e o amor sempre se compromete com as pessoas que ama. Portanto, cuidemos das nossas famílias, verdadeiras escolas do amanhã. Cuidemos das nossas famílias, verdadeiros espaços de liberdade. Cuidemos das nossas famílias, verdadeiros centros de humanidade.

Não quero concluir sem fazer menção da Eucaristia. Tereis notado que Jesus, como espaço do seu memorial, quis utilizar uma ceia. Escolhe como espaço da sua presença entre nós um momento concreto da vida familiar; um momento vivido e compreensível a todos: a ceia.

A Eucaristia é a ceia da família de Jesus, que, de um extremo ao outro da terra, se reúne para escutar a sua Palavra e alimentar-se com o seu Corpo. Jesus é o Pão de Vida das nossas famílias, quer estar sempre presente, alimentando-nos com o seu amor, sustentando-nos com a sua fé, ajudando-nos a caminhar com a sua esperança, para que possamos, em todas as circunstâncias, experimentar que Ele é o verdadeiro Pão do Céu.

Daqui a alguns dias, participarei juntamente com famílias do mundo inteiro no Encontro Mundial das Famílias e, dentro de um mês, no Sínodo dos Bispos, cujo tema é a família. Convido-vos a rezar especialmente por estas duas intenções, para que saibamos todos juntos ajudar-nos a cuidar da família, para que saibamos cada vez mais descobrir o Emanuel, o Deus que vive no meio do seu povo fazendo das famílias a sua morada.

Velhice chegando e eu chegando ao fim

Ninguém Me Ama
Antônio Maria

Antonio Maria

Antonio Maria

Ninguém me ama, ninguém me quer
Ninguém me chama de meu amor
A vida passa, e eu sem ninguém
E quem me abraça não me quer bem

Vim pela noite tão longa de fracasso em fracasso
E hoje descrente de tudo me resta o cansaço
Cansaço da vida, cansaço de mim
Velhice chegando e eu chegando ao fim

A solidão nenhum deus vigia. Seis poemas inéditos de Talis Andrade

Christian Vincent

Christian Vincent

 

POR TRÁS DO ESPELHO

Há muito tempo
me fragmento
por trás do espelho

Há muito tempo
não me animo
sair para rua

O isolamento vicia

Há muito tempo
se aparecesse
uma companhia
não saberia
compartir
os espaços
do dia

Há muito tempo
o tormento
de um isolamento
que nenhum deus vigia

.

 SEMPRE PERTO E LONGE

Qualquer parte
do meu corpo
atingida por estranhos
minha mãe
lavava com água
gelo e neve
Minha mãe
esterilizava com álcool

Livre dos contágios
meu corpo
foi ficando
frio como o gelo
puro como a neve

Para continuar imune
passei a não deixar
fossem tocadas
as partes íntimas
do meu corpo

Fui me distanciando
me distanciando
e assim ando
sempre longe
de quem amo

.

FRIGIDEZ DE DAFNE

Insensibilizado corpo
de Dafne

O coração atingido
por uma flecha
uma flecha
com ponta de chumbo

Uma flecha de ponta
rombuda
de envenenado chumbo
frio e invernal

Insensibilizado corpo
insensibilizado coração
Um coração que não ama
um coração que não sangra
bate no peito
de um morto

.

      O INTOCÁVEL

Nasci intocável
como um judeu
forçado a exibir
costurada
nas vestes brancas
a marca amarela
de uma rodela

Nasci intocável
como um leproso
anunciando com um sino
a temida aproximação

Um leproso vestido
com comprida túnica
até os tornozelos
a comprida túnica
com um ele marcada
a túnica vermelha
com guizos pendurados

Nasci intocável
como um leproso
o rosto dissimulado
em um cônico capuz

.

O CORPO INTERDITO

A desdita de me consumir
no não-dito
na síndrome de pânico
no corpo interdito

A desdita de me consumir
no medo da entrega
no que poderia advir
além do muro

que ergui
entre eu e você
entre eu e o mundo

.

 EMPEDRADO CORPO

Insensível como uma pedra
um urso hibernando
insensível como uma pedra
um boi ruminando
paisagens cinzas e capim
não tenho olhos para o vôo de uma borboleta
não me encanto com o canto de um pássaro
não farejo o perfume de uma rosa
a rosa que revelaria o secreto jardim

Sou insensível como uma pedra
que cobre um cadáver
em um cemitério clandestino

Em alguma curva da vida
encruzilhada de despachos
uma bruxa me transformou em pedra
Uma pedra que não marca
nem desmarca
Simplesmente uma pedra
—-

Do livro inédito O Cantar das Pedras, de Talis Andrade

Poeta Djalma Tavares, um arlequim bêbado

EM BUSCA DO SILÊNCIO
por Djalma Tavares

.

Busco o silêncio no vazio
Por este amor tânico e louco,
Como o bailarino busca inutilmente
Música, espaço, movimento…
Música,
Luz,
Espaço…

Em caso destes o silêncio é frio!
Tem a frieza dos sarcófagos,
Tem a pureza das estátuas.

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UM ANJO BÊBADO
por Talis Andrade

.

Atravessando a enluarada
ponte Príncipe Nassau
um arlequim
A música dos suaves guizos
repercute como sinos de vento
na solidão da madrugada

O arlequim
anjo arcanjo dos bêbados
e suicidas
O arlequim
visagem alada
de Djalma Tavares

picasso-arlequin-acodado2

Ilustrações: Arlequins de Picasso

.

Vigília Pascal: Água e fogo em cerimônia simbólica

Celebração central do calendário litúrgico é a mais antiga e importante na Igreja Católica

ressurreicao

A Igreja Católica celebra nas últimas horas deste Sábado Santo e nas primeiras de Domingo de Páscoa o principal e mais antigo momento do ano litúrgico, a Vigília Pascal, assinalando a ressurreição de Jesus.

Esta é uma celebração mais longa do que habitual, em que são proclamadas mais passagens da Bíblia do que as três habitualmente lidas aos domingos, continuando com uma celebração batismal e a comunhão.

A vigília começa com um ritual do fogo e da luz que evoca a ressurreição de Jesus; o círio pascal é abençoado, antes de o presidente da celebração inscrever a primeira e a última letra do alfabeto grego (alfa e ómega), e inserir cinco grãos de incenso, em memória das cinco chagas da crucifixão de Cristo.

A inscrição das letras e do ano no círio são acompanhadas pela recitação da fórmula em latim ‘Christus heri et hodie, Principium et Finis, Alpha et Omega. Ipsius sunt tempora et sæcula. Ipsi gloria et imperium per universa æternitatis sæcula’ (Cristo ontem e hoje, princípio e fim, alfa e ómega. Dele são os tempos e os séculos. A Ele a glória e o poder por todos os séculos, eternamente).

O ‘aleluia’, suprimido no tempo da Quaresma, reaparece em vários momentos da missa como sinal de alegria.

A celebração articula-se em quatro partes: a liturgia da luz ou “lucernário”; a liturgia da Palavra; a liturgia batismal; a liturgia eucarística.

A liturgia da luz consiste na bênção do fogo, na preparação do círio e na proclamação do precónio pascal.

A liturgia da Palavra propõe sete leituras do Antigo Testamento, que recordam “as maravilhas de Deus na história da salvação” e duas do Novo Testamento: o anúncio da Ressurreição segundo os três Evangelhos sinópticos (Marcos, Mateus e Lucas), e a leitura apostólica sobre o Batismo cristão.

A liturgia batismal é parte integrante da celebração, pelo que mesmo quando não há qualquer Batismo, se faz a bênção da fonte batismal e a renovação das promessas.

Do programa ritual consta, ainda, o canto da ladainha dos santos, a bênção da água, a aspersão de toda a assembleia com a água benta e a oração universal.

Cristo e NSenhora

Nesse dia a Igreja toda guarda luto pela morte de Jesus. Neste dia se faz também a comemoração das Dores de Nossa Senhora. É uma celebração que relembra todos os sofrimentos de Nossa Senhora desde o nascimento de Jesus, culminando com a dor infinita à qual se viu exposto o coração de Maria, ao deixar seu divino Filho no sepulcro.

Por maior que seja a solidão que algum coração humano já sentiu, por certo, sequer aproximará do amargor, do infinito abandono que se apossou do coração da mãe do Divino Amor. Na Solene Vigília Pascal da noite será celebrada a Missa da Ressurreição. Essa missa é precedida pela bênção do Fogo Novo e do Círio Pascal, benção da água Batismal e Renovação das Promessas do Batismo.

Todos os fiéis devem levar velas.

Fogo: Sinal da presença de Deus na história, em suas manifestações de salvação. Ligado ao fogo, temos o círio pascal que aceso no fogo novo lembra o Cristo ressuscitado.

Luz: Símbolo da vida. Representa a presença de Cristo que é vida e oferece vida e salvação ao homem. Jesus atravessa as portas da mansão dos mortos, vencendo e trazendo a luz para a humanidade.

Água: Também é sinal da vida que é comunicada ao cristão quando ele renasce pelo batismo para um mundo novo.

Não existe humildade sem humilhação

Neste Domingo de Ramos, que marca o início da Semana Santa, o Papa Francisco presidiu à celebração eucarística na Praça São Pedro, com a participação de milhares de fiéis. A cerimônia teve início com a bênção dos ramos, que recordam a entrada triunfal de Jesus em Jerusalém, seguida da procissão.

Disse o Papa que o verdadeiro caminho de Deus é o da humildade e que não há outra estrada de Jesus a não ser essa

 

Pope Francis' mass of Palm Sunday

Pope Francis' mass of Palm Sunday

Pope Francis' mass of Palm Sunday

Pope Francis' mass of Palm Sunday

 

Pope Francis' mass of Palm Sunday

Pope Francis' mass of Palm Sunday

O Papa citou em sua homilía um trecho do hino da Carta aos Filipenses, que diz “Humilhou-Se a Si mesmo”. Para Francisco, esta palavra desvenda o estilo de Deus e do cristão: a humildade.

“Um estilo que nunca deixará de nos surpreender e pôr em crise: jamais nos habituaremos a um Deus humilde! Humilhar-se é, antes de mais nada, o estilo de Deus. Deus humilha-Se para caminhar com o seu povo, para suportar as suas infidelidades.”

O Pontífice acrescenta dizendo que esta Semana que nos leva à Páscoa só será Santa se caminharmos por esta estrada da humilhação de Jesus.

“Nestes dias, ouviremos o desprezo dos chefes do seu povo e as suas intrigas para O fazerem cair. Assistiremos à traição de Judas. Veremos o Senhor ser preso, condenado à morte, flagelado e ultrajado. Ouviremos que Pedro, a “rocha” dos discípulos, O negará três vezes. Ouviremos os gritos da multidão, que pedirá a Sua crucificação. E O veremos coroado de espinhos.”

Francisco prossegue observando que este é o caminho de Deus, o caminho da humildade e que não há outra estrada de Jesus a não ser essa. “Não existe humildade sem humilhação”.

O Santo Padre explica ainda que humildade quer dizer serviço, significa dar espaço a Deus despojando-se de si mesmo, esvaziando-se. “Esta é a maior humilhação.”

O caminho do mundanismo

Francisco frisou que o mundanismo é o caminho contrário ao de Cristo. “O mundanismo oferece-nos o caminho da vaidade, do orgulho, do sucesso. É o outro caminho. O maligno o propôs também a Jesus, durante os quarenta dias no deserto, mas Ele rejeitou-o sem hesitação. Com Cristo, também nós podemos vencer esta tentação, não só nas grandes ocasiões mas também nas circunstâncias ordinárias da vida.”

O Papa deu como exemplo tantos homens e mulheres que cada dia, no silêncio e escondidos, renunciam a si mesmos para servir um familiar doente, um idoso sozinho ou uma pessoa deficiente.

Ao finalizar sua reflexão, o Santo Padre citou a humilhação daquelas pessoas que, por sua conduta fiel ao Evangelho, são discriminadas e perseguidas, definindo-as os mártires de hoje, pois suportam com dignidade insultos e ultrajes para não renegar Jesus.

“Com eles, emboquemos também decididamente esta estrada, com tanto amor por Ele, o nosso Senhor e Salvador. Será o amor a guiar-nos e a dar-nos força e onde Ele estiver, estaremos também nós”, conclui.

A vida pode ser vivida em três versões

MG

Um todo as vezes é múltiplo…
e as opções são três vezes mais do que uma só.
A vida pode ser vivida em três versões

 

.

Fiquei a esperar que ela passasse entre as nuvens
e a chuva. Amanheceu tempestade por aqui.
Cheguei a contar brisa para o beija-flor enquanto ele brincava de banho.
Perdi a noção da palavra.
Alguém passou uma tarde inteira comigo ontem e eu não fiz chá.
Apenas fiquei como de costume, inclinada na janela, contemplando o que é poesia para mim.
Ela divaga sobre o que eu escrevi, e eu fico em silêncio.
Hoje foi apenas chuva, e o beija-flor a brincar de chuveiro no varal
depois disso, a solidão da manhã ganhou o dia e nem precisei molhar o jardim.

Quando Começa a Terceira Idade?

O amanhã começou ontem

envelhecer

 

por António Virgílio Silva Tavares

 

Quando começa a terceira idade? Difícil dizer. Mesmo porque a idade está na cuca. Assim como uma pessoa de 20 anos pode ser considerada velha de espírito, um idoso muitas vezes pode esbanjar vitalidade. (…) A espetacular Dercy Gonçalves, do alto dos seus 92 anos, deu um show de sabedoria. Ao encerrar seu programa semanal de TV, a comediante garantiu que a juventude é bonita, mas muito mais bonita é a velhice, que acumula a intensidade da vida.

Talvez seja por esse motivo que o público mais jovem, saturado pela repetição dos ritmos veiculados nas rádios , esteja se voltando cada vez mais para os ídolos do passado, reavaliando sua importância cultural.

Não há nada mais gratificante do que ver a confraternização de pessoas de idades diferentes nas rodas de chorinho ou nos eventos culturais da cidade. O carinho que vem sendo manifestado por novos artistas aos talentos das velhas -guardas das escolas de samba exemplifica bem a riqueza cultural do encontro de gerações.
Esse é um sinal muito significativo porque reafirma a importância da memória e demonstra como ela pode iluminar o caminho dos mais jovens . A admiração pelos artistas tarimbados aponta para o amadurecimento cultural da juventude carioca, além de ser uma prova do quanto temos que aprender com a terceira idade. Até porque o amanhã começou ontem.

Quando começa a Terceira-Idade e quando termina?…

Estas perguntas não são fáceis de responder, pois a vida é um complexo processo de subtis e constantes alterações.
Na nossa sociedade, as modificações que caracterizam a meia-idade surgem por volta dos 50/60 anos .

Ao atingirmos a meia-idade, na maioria dos casos, os homens alcançaram já um certo grau de realização na sua atividade profissional e começam a ter uma idéia dos objetivos que podem alcançar no futuro.

Para a maior parte das mulheres, esse período significa que a dependência dos filhos pequenos ou adolescentes foi ou irá, em breve, ser suplantada pelos problemas específicos de adultos já relativamente independentes.

À medida que avançamos na meia-idade, começamos a dirigir a nossa atenção para a reforma, no que esta representa de maiores disponibilidades de tempo e de possíveis problemas financeiros, bem como a fazer o balanço daquilo que conseguimos realizar na vida.

Na meia-idade começam também a surgir as primeiras alterações de ordem física, através de sinais exteriores bem visíveis, como as rugas e a obesidade, podendo ainda manifestarem-se novas afecções, muitas vezes prolongadas, tais como a arterite, o glaucoma, e as doenças cardiovasculares e outras enfermidades, que numa idade menos avançada poderiam ser tratadas, tornando-se agora difíceis de curar.

Devido à nossa tendência de acentuar a importância da juventude, esquecemo-nos frequentemente que a meia-idade, como qualquer outro período da vida, é também dinâmica, e oferece novas possibilidades, sendo por isso fundamental que envidemos todos os esforços no sentido de mantermos uma boa forma física e psíquica…

…Não podemos nem devemos olvidar que na nossa idade, a riqueza da experiência adquirida através dos anos vividos é algo que nenhuma força do mundo nos poderá tirar. E essa riqueza de experiência adquirida só terá o seu término quando nos colocarmos num estado de inércia que nos arrastará indubitavelmente para o tédio e solidão profundos. In Brasil Medicina. com