NO MEIO DO CAMINHO

por Talis Andrade

A morte vem
com estardalhaço
salva de girândolas
retreta na praça

A morte vem
num tremor de terra
quando se abrem
as sete bocas
do inferno

A morte vem
quando você
atravessa a rua
e tropeça que
no meio do caminho
tem uma pedra
no meio do caminho
uma pedra
um carro sem freios
um cavalo em disparada

A vida uma andança
e mais que se ande
nunca se passa
do meio do caminho

Pra quê pressa
come devagarinho

A FITA AMARELA

por Talis Andrade

Quando eu morrer não quero choro nem vela
quero uma fita amarela gravada com o nome dela

Quando eu morrer vou encontrar Carlinhos e Capiba
compondo versos de excelência para os bem-aventurados
que chegaram ao céu

Onde anda ela
Dizem que casou
passa o dia limpando a casa
lavando roupas e panelas

Boa de forno e fogão
onde anda ela
Dizem que passa o dia na janela
Nem hoje sabe a importância
de uma fita amarela gravada com o nome dela

ALMA PENADA

por Talis Andrade

Por que este pressentimento
de morte não se afasta
Estranha inimiga em constante tocaia
a morte está dentro e fora do nosso corpo

Será a morte uma amiga cuja ajuda se pede
quando já não se suporta a dor
que flagela o corpo
a dor que atormenta a alma

Este pressentimento de morte próxima
será apenas o medo do que está além
da porta fechada
por ilusória segurança
Por que o medo
se jamais veremos a morte
se as mãos frias
nos fecham os olhos
Nunca mais um dia de sol

Quantas oportunidades perdidas
de caminhar pela praia
pelos jardins
pelos vales verdejantes
Nunca mais a contemplação dos lírios no campo
Nunca mais

Que valem estas flores que me jogam no caixão
que desce na cova rasa para ser coberto de terra
Terra que é posse
Meu único chão
até que reine a putrefação
Terra que será ocupada
por outro sem terra

Se o corpo está morto
por que o medo
o cadáver deixe a sepultura
para uma noite de assombração
Que a alma apareça
para agourar
te buscar
Alma penada
de saudade
Alma perdida
na solidão


 


CANÇÃO URBANA Luis Carlos Guimarães

Luis Carlos Guimarães

Luis Carlos Guimarães

O que me chama a atenção é um homem sozinho numa mesa,
nos seus cinqüenta anos bem morridos,
a entornar seu chope silenciosamente:
o homem do paletó cor de goiaba.
Necessariamente funcionário público,
na vizinhança da obesidade e do enfarte,
o homem do paletó cor de goiaba
tem cinco filhos, três netos,
uma mulher de barriga caída e varizes nos braços e nas pernas,
um apartamento de dois quartos no 12o andar do Edifício Flor de Laranjeiras
(financiado em 25 anos, com correção monetária, pelo BNH),
calos na sola do pé direito,
dentes cariados,
fígado inchado,
acessos semanais de asma brônquica,
uma sogra que encarna o dragão vomitador de fogo,
uma acentuada hipermetropia na visão esquerda
e bolsos furados.
E mais:
no morrer de cada dia,
o homem do paletó cor de goiaba
tem os ouvidos rasgados pelo barulho do trânsito,
sua sangue poluído de asfalto na repartição,
nas filas de ônibus e do INPS.
Entornando silenciosamente o seu chope,
o homem do paletó cor de goiaba
parece um boi.
Um boi.
Não o boi que pasta no campo,
mas o boi que vão levando ao matadouro.

Seleta de João da Mata

Momentos mágicos de Pedro J. Bondaczuk

Pedro J. Bondaczuk3

A vida é toda ela feita de mistérios, pelo menos para nós, humanos, que somos tão arrogantes e presunçosos de uma sabedoria que sequer possuímos. Desde a sua origem, que ninguém sabe com certeza qual e quando foi, até o seu desfecho (a morte), valemo-nos de complicadas teorias e fantasiosas hipóteses para tentar explicar aquilo que sequer entendemos (e que talvez jamais venhamos a entender).

Como é morrer, por exemplo? A consciência se perde com a decomposição do corpo ou fica em algum lugar? Se a resposta for positiva (e a verdade é que ninguém a tem de fato), onde ela permanece? Muitos juram que alguma parte de nós sobrevive, passa para outras dimensões e é eterna. Outros tantos, torcem o nariz a essa possibilidade, e ridicularizam os que crêem nela. Mas saber, com certeza, o que ocorre durante e após esse dramático desfecho, sem hora e lugar marcados, ninguém sabe.

Machado de Assis levanta uma interessante possibilidade, que permanece no terreno da especulação, mas que nem por isso deixa de ser válida. Escreve, em uma das suas crônicas: “Cada criatura traz duas almas consigo: uma que olha de dentro para fora, outra que olha de fora para dentro”.

Será? Há momentos “mágicos” em nossa vida, cuja magia não conseguimos definir e muito menos explicar, mas que sabemos que está ali, presente, viva e atuante. É alguma coisa que se passa fora do plano físico, em nosso íntimo, talvez no interior das nossas células, em algum ponto do cérebro, aguçando a sensibilidade ao extremo.

Aparentemente, esses instantes são como outros quaisquer, sem nada de especial. Independem dos acontecimentos. Não avisam quando vão ocorrer, simplesmente ocorrem. Sequer os delimitamos, em termos da data da ocorrência, já que somos tomados de surpresa. Mas são inesquecíveis.

Por que? É um mistério! Passados muitos anos, quando nos recordamos de tudo o que nos ocorreu (de bom ou de mau), são eles que nos vêm de imediato à memória, como uma luz, como uma inspiração, como um referencial ou como consolo nas horas de maior aflição.

Recordo-me, especificamente, de pelo menos cinco desses momentos “mágicos”, nitidamente, como se houvessem ocorrido hoje, a meros segundos, mas que aconteceram há várias décadas, há mais de meio século, tão ontem como se fora na própria infância do mundo.

O primeiro ocorreu quando eu tinha apenas cinco anos de idade. Foi em Horizontina, no Rio Grande do Sul, na casa do meu avô paterno, o saudoso Hilarion. Numa determinada manhã de início de verão de 1948, sentado na varanda do casarão, que dava para uma escada de madeira, tendo ao lado pés de mexerica (“bergamota”, para os gaúchos), de frente para um jardim florido que tinha, ainda mais adiante, a uns trinta metros, um vasto parreiral, senti uma espécie de “transfiguração”. Nunca soube explicar não somente a natureza, mas a morfologia desse fenômeno. Só sei que ele existiu e me deixou profundas marcas (positivas, é óbvio!).

O dia estava parcialmente nublado, mas não cinzento, com tímidos raios de sol filtrando por entre nuvens. A temperatura era bastante agradável, pois não fazia nem frio e nem calor. Eu estava sozinho, já que todos da casa cumpriam os seus afazeres normais.

Um cheiro adocicado de flor de laranjeira embalsamava o ar e o aroma era tão intenso, que causava uma espécie de embriaguez. Pássaros faziam uma algazarra enorme no meio das plantas, disputando sementes ou vermes para alimentar os filhotes, mas não se ouvia voz humana alguma quebrando a harmonia. Uma paz intensa desceu sobre mim.

Tive uma premonição de que, em breve, não veria mais esse lugar que tanto amava. Minha mente como que “fotografava” cada detalhe, cada nuance, cada objeto e cada pássaro e inseto ali presentes, que eu vira tantas vezes antes e nunca prestara atenção, mas que naquele instante pareciam importantes, transcendentais e únicos. De fato, poucos meses depois deixei minha terra natal para sempre, vindo para São Paulo, em busca do meu destino. Mas aquele momento “mágico”… jamais saiu-me da memória. Por que? Nunca saberei explicar!

O segundo desses instantes misteriosos viria a ocorrer seis anos depois, quando eu estava internado no Lar Escola São Francisco. Era, novamente, final de primavera, véspera do verão. Nesse dia, teríamos o exame de final de ano (estávamos em 1955), que me aprovaria para a quarta série ou me manteria na terceira.

Eu não havia estudado nada. Por causa de seguidas cirurgias, para corrigir seqüelas de uma poliomielite que me acometera, eu havia perdido pelo menos três anos de escola. Estava relativamente atrasado em relação aos companheiros. Ademais, começara a freqüentar aulas apenas em agosto.

Estávamos no pátio, esperando o início da prova, atrasado, já que, por alguma razão, o inspetor que iria supervisionar o exame não tinha chegado. Meus colegas brincavam… com bolinhas de gude, de pique, esconde-esconde ou amarelinha, lembro-me bem. Alguns, mais preocupados, cientes de que não estavam devidamente preparados, davam uma última olhadinha no caderno, na ilusão de reter, em cima da hora, o que não haviam aprendido em meses. Eu, simplesmente, apreciava meus companheiros.

Subitamente, a mesma “transfiguração”, ocorrida há seis anos, em Horizontina, se repetiu. Uma paz imensa desceu sobre mim. Os sentidos ficaram estranhamente aguçados, com sua capacidade bastante multiplicada. Via muito longe, para além do pátio, iluminado por um sol brilhante, em um céu de azul total.

Apesar da tensão, uma paz absoluta tomou conta de mim. Sentia que nada no mundo poderia me ameaçar e não havia o que temer. Ouvia risos distantes, a cinqüenta metros ou mais de distância e gritos e murmúrios de vozes. O aroma das flores, dos canteiros do pátio, embriagava-me.

Era um momento para reter na memória. E o retive. Mais do que isso… Como havia dito, não estava preparado para o exame e tinha convicção de que seria reprovado. Nem minha professora, dona Ester, acreditava que eu pudesse me dar bem. Não sei explicar o que aconteceu depois da tal “transfiguração”. Só sei que a minha prova foi a melhor da classe.

Tirei nota dez, com louvor, e de quebra ganhei uma medalha, que era como a escola estimulava a competição entre os alunos, os motivando a estudar. Como? Jamais saberei explicar. Será que alguém tem uma explicação plausível para isso? Duvido.

Recordo-me de pelo menos mais três desses instantes mágicos, misteriosos, inexplicáveis e maravilhosos. Certamente, minhas “duas almas” estavam alertas nesses momentos, mostrando-me o verdadeiro sentido da vida. Ou pelo menos revelando que o meu destino era ser “garimpeiro da beleza…”

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Dramática realidad reflejada en la serie fotográfica “El costo humano de los agrotóxicos” del argentino Pablo Piovano

De cuando Menen firmó un acuerdo con la Monsanto

LUCAS TECHEIRA (COLONIA AURORA) TIENE TRES AÑOS Y NACIÓ CON ICTIOSIS, UNA AFECCIÓN QUE RESQUEBRAJA LA PIEL

LUCAS TECHEIRA (COLONIA AURORA) TIENE TRES AÑOS Y NACIÓ CON ICTIOSIS, UNA AFECCIÓN QUE RESQUEBRAJA LA PIEL

Mayo 18 de 2015.-“Para mí este trabajo es, sobre todas las cosas, un acuerdo con la tierra”, plantea el fotógrafo de Página/12 Pablo Piovano. Su serie de fotos El costo humano de los agrotóxicos ganó esta semana dos premios internacionales. En el de la agencia FID Prensa se impuso por sobre más de 1300 participantes. Además, obtuvo el tercer lugar en el Premio Carolina Hidalgo Vivar de Medio Ambiente, una de las categorías de Pictures of the Year Internacional, en la sección iberoamericana.

La serie de doce fotos presenta un testimonio conmovedor sobre el impacto de la fumigación masiva con agroquímicos, en particular el glifosato y el 2.4D, sobre las comunidades de las provincias del Litoral y el Norte argentino. “Me fui dos veces a recorrer más o menos 6000 kilómetros en cada viaje porque veía cifras que eran alarmantes y no había ningún tipo de información seria, no se visibilizaba un asunto que es un genocidio por goteo”, cuenta Piovano.

Los datos que aporta apabullan: un tercio de la población Argentina está afectada directa o indirectamente por el glifosato. Son 13.400.000 personas que viven en los alrededores de la zona tratada con estos agroquímicos. En 2012 se utilizaron 370 millones de litros de agroquímicos sobre 21 millones de hectáreas sembradas con semillas transgénicas, es decir, sobre el 60 por ciento de la superficie cultivada del país. En la última década se triplicaron los casos de cáncer infantil y las malformaciones congénitas se cuadruplicaron. Aunque cuesta zanjar la cuestión entre informes científicos de uno u otro bando, para el fotoperiodista la causalidad es clara. Por eso, advierte que el glifosato y otros agroquímicos están prohibidos en 74 países.

“Me resultaba increíble, por eso salí a constatarlo, a documentarlo –continúa–; la primera vez me acompañó Arturo Avellaneda, un militante, y fue simplemente para hacerme compañía, para bancarme.” Las escenas que presenciaban eran tan duras que Avellaneda lloraba tres veces por día, revela Piovano. “El tiene una conciencia biológica muy fuerte, es un tipo muy instruido, y se daba cuenta de lo que estaba pasando, pero en Chaco me dijo que no daba más, y seguí solo hasta Misiones.” Para Piovano su material es “muy fuerte”. Y no exagera nada: se queda corto.

El segundo viaje también lo hizo de forma independiente, como una suerte de misión personal. Para esta segunda experiencia sumó al periodista Carlos Rodríguez –también de Página/12–, para que pudiera plasmar un testimonio escrito de lo que comprobaban. “Para mí la causística que hace que una persona tenga una enfermedad, una malformación, un cáncer, una columna bífida o hidrocefalia, tiene que ver con que se haya fumigado durante las primeras temporadas de embarazo, o que sus padres hayan trabajado toda su vida ahí o los niños hayan nacido en ese contexto”, señala. Las fotografías de la serie revelan ese impacto en la salud de las poblaciones rurales. “En un pueblo de Chaco tienen un pozo común que abren dos horas al día, esa agua es fumigada y lo doloroso es ver cómo ese agua de consumo familiar se carga en los bidones recién vacíos de glifosato.”

“Este trabajo tiene la intención de ser un trabajo documental de largo aliento –plantea Piovano–. Es distinto a mi tarea de todos los días, al retrato de alguien del mundo de la cultura, quizás; aquí enfrente hay víctimas, están el dolor y la enfermedad.” El fotógrafo se siente también obligado hacia las 70 familias que le abrieron las puertas de sus casas para que los retratara. “Esto es una tragedia que lleva 20 años, cuando ya en el ‘96, siendo (Carlos Saúl) Menem presidente, Felipe Solá como ministro de Agricultura firmó un acuerdo con Monsanto, con folios en inglés y sin constatar con científicos nacionales e independientes. Este es el costo humano de este nuevo sistema agropecuario, que produce una rentabilidad enorme, pero también un daño irreparable.” El trabajo continúa. Los premios internacionales que ganó, confía, serán puertas para abrir al mundo un tema crucial que los medios concentrados no abordan.

Cuando la enfermedad y la muerte son negocio.

ANTE O ROSTO DE CRISTO

Vitral de igreja

Vitral de igreja

ANTE O ROSTO DE CRISTO
por Marcos Konder Reis

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Senhor,
Teu rosto ri?
Teu rosto chora?
Nós não sabemos mais nem ri nem chorar,
Porque não olhamos mais a tua face.

Senhor,
O mundo pensa poder esquecer-te
Mas teu rosto luminoso permanece.
Teu rosto de homem,
Teu rosto de Deus.

Teus olhos que compreendem e que exigem,
Teus lábios que beijam e que comandam,
Teu choro que salva,
Teu riso que arrasta,
Teu rosto que é força,
Que deslumbra e é sol da madrugada sem fim nas fronteiras do universo
E é luar nas clarabóias do segredo,
Que entontece e é nebulosa vertigem de gozo eterno;
Que fataliza e é grito de fanfarra…
Ah! Sou um dos fatalizados do teu rosto!

Quero ser teu orador no cume do Everest,
Quero ser teu guerreiro nas planícies sem horizontes,
Quero ser teu mártir no Cruzeiro do Sul,
Mas sempre teu poeta na cidade do mundo.

Teu rosto, Senhor, é um rosto assim:
Faz a gente berrar a maldição
Para todos que não te amam.

E agora, quando vou saltar no trapézio,
Quero, Senhor,
Que teu rosto fique sempre no meu rosto
E é só.

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A MARCOS KONDER REIS
por Lúcio Cardoso

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Que espécie de morte, a desejada, a altiva,
a morte acontecida do inocente?
A morte.
Sem leite humano a fervilhar na taça,
sem taça em brinde a levantar.
Sem fel.
As mãos tratadas
de enormes abandonos consentidos.
As mãos.
Deus meu, e todo amanhecer assim
amanhecido. O retorcido cáctus
acontecido.
Quem foi? Por quê? O dia aonde?
Nada adianta. Milhões de areias,
de consentimentos e de fel.
O acontecer.

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Quando publiquei estes dois poemas em 3/5/2005, no nosso blogue Jornalismo de Cordel, no Comunique-se, fiz o seguinte comentário:

1) Konder, celebrado poeta da Geração de 45, anda esquecido pela crítica. Principalmente depois que Ricardo Oiticica, em sua tese de doutorado “O Instituto Nacional do Livro e as ditaduras – Academia Brasílica dos Rejeitados”, revela que em 1970, o Instituto Nacional do Livro passa a ser dirigido pela escritora Maria Alice Barroso. É quando começa o regime de co-edição com editoras comerciais. Para ser aceito, um livro tinha que passar pela comissão de pareceres, cujos integrantes eram Otávio de Faria, Adonias Filho e Marcos Konder Reis.

2) Segundo Oiticica, examinando as co-edições do INL, podem ser encontradas obras de valor. “Mas isso é secundário quando se vê que a maioria das obras era de acadêmicos da Academia Brasileira de Letras e, entre os vetados pela censura, encontravam-se pessoas da linha de frente da produção literária contemporânea, como João Ubaldo Ribeiro, Clarice Lispector, Sérgio Santana, Luís Carlos Maciel, Jorge Maltner, Moacir Scliar, Paulo Coelho, Helena Parente Cunha e Flávio Moreira da Costa”. In Jornal da PUC-Rio.

Paulo Mendes Campos e a morte de Mário de Andrade em uma noite coalhada de formigas

QUANDO EU MORRER
por Mário de Andrade

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Quando eu morrer quero ficar,
Não contem aos meus inimigos,
Sepultado em minha cidade,
Saudade.

Meus pés enterrem na rua Aurora,
No Paiçandu deixem meu sexo,
Na Lopes Chaves a cabeça
Esqueçam.

No Pátio do Colégio afundem
O meu coração paulistano:
Um coração vivo e um defunto
Bem juntos.

Escondam no Correio o ouvido
Direito, o esquerdo nos Telégrafos,
Quero saber da vida alheia,
Sereia.

O nariz guardem nos rosais,
A língua no alto do Ipiranga
Para cantar a liberdade.
Saudade…

Os olhos lá no Jaraguá
Assistirão ao que há-de vir,
O joelho na Universidade,
Saudade…

As mãos atirem por aí,
Que desvivam como viveram,
As tripas atirem pro Diabo,
Que o espírito será de Deus.
Adeus.

Mário de Andrade

A MÁRIO DE ANDRADE
por Paulo Mendes Campos

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Não sei que mãos teceram teu silêncio.
Morto. Estás morto. Sonhas morto? Morto.
Espantalho fatal, onde flutuas
Acordas borboletas tresvairadas.

Tua morte chegou nas folhas secas
Mas nada vi no ventre da noitinha,
Que não interpretei nas alegrias
Tua razão mais bela de acabar.

A noite está coalhada de formigas.
A cruz amarga a fé desesperada.
Há formigas na treva de tua morte
E em mim erram punhais entrefechados.

O simples tempo agora abre a vidraça.
Desarmaram nos campos a barraca.
Chega do canteiro a razão – flor
Para agravar sinais do inevitável.

O silêncio borbulha nos esgotos.
Bebamos o licor de tua morte.
Enquanto se suporta a solidão.
Tua morte foi servida numa salva.

Cisnes feridos franzem meu destino.
Os convivas, as moças, as vitrinas
Não sabem que paraste. Mas eu sofro
O sono vegetal dos passarinhos.

Mas eu sofro. Eu e o morto que conduzo
Vamos sofrer até de manhãzinha.
Vamos velar aflitos sobre a terra
Que desviou o teu olhar das rosas.

De Stella Leonardos exercício sobre a negra Morte de Cruz e Sousa

ASSIM SEJA
por Cruz e Sousa

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Fecha os olhos e morre calmamente!
Morre sereno do Dever cumprido!
Nem o mais leve, nem um só gemido
traía, sequer, o teu Sentir latente.

Morre com a alma leal, clarividente,
da Crença errando no Vergel florido
e o Pensamento pelos céus brandido
como um gládio soberbo e refulgente.

Vai abrindo sacrário por sacrário
do teu Sonho no templo imaginário
na hora glacial da negra Morte imensa…

Morre com o teu Dever! Na alta confiança
de quem triunfou e sabe que descansa.
desdenhando de toda a Recompensa!

 

Guardi_o Postado por Surrealismo na veia, Flávio Zanelatto - Kyta

 

EXERCÍCIO SOBRE “O EMPAREDADO”
(PROSA POÉTICA DE CRUZ E SOUSA)
por Stella Leonardos

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Quem nega que essas pedras emparedam
– tantas e tantas pedras cumuladas –
são cúmulos de céus apedrejados,
asas de astros partidos que se empedram?

Entre as penas do pássaro apressado
e cada pedra posta sobre pedra
repercute teu solo negregado.

Com tal ritmo, metal, sonoridade,
que consegues romper paredes pétreas,
que gravas na prisão a sombra grave
de um pássaro apenado e te libertas.

 

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Óleo sobre tela de Flávio Zanelatto – Kyta