Sem nenhuma ajuda do Brasil que declarou morte à Cultura, Nina Rizzi pela força do seu talento vai conquistando Oropa, França e Bahia.
Publicou poemas em diversas antologias nacionais e estrangeiras e nas revistas La Papa Ruchada (Argentina), Literatas (Moçambique) e Nova Águia (Portugal) .
Poemas do seu livro Tambores para n’zinga serviram de base para o curta-metragem Noturnos, de Carito Cavalcanti e Joca Soares.
Outra revista de literatura lusófona: Pessoa faz
Uma simples pergunta a queima-roupa
Para você, Nina Rizzi, qual o poema mais importante da língua portuguesa?
por Carlos Henrique Schroeder

Nina Rizzi, foto revista Pessoa
Convidamos a poeta, historiadora e tradutora Nina Rizzi para responder em poucas palavras qual poema para ela é um monumento, um rio e um mar. Rizzi publicou Tambores pra n’zinga (poesia; 2012), Susana Thénon: Habitante do Nada (tradução; 2013), caderno-goiabada (prosa-ensaística; 2013) e A Duração do Deserto (poesia; 2014).
Abaixo seguem a justificativa de Rizzi e o poema escolhido:
“A tarefa não é nada fácil: num laio passam sob meus olhos e memória os arrebatamentos com grandes e grandessíssimos monumentos da língua portuguesa, clássicos/ contemporâneos. Até que me decido por Al Berto, com poemas que poderiam ter sido escritos por um português, um esquimó, um extraterrestre do ano 3058.
Com a angústia de quem atravessa um campo de neve, o poeta é um obcecado pela linguagem e o discurso poético; busca viver no poema, lugar onde inevitavelmente o silêncio oferece a única saída da armadilha linguística. Vemos os lugares uns sobre os outros, um dentro do outro, onde os sujeitos do poema transitam e a estratégia de sobrevivência deles no poema passa a ser habitar um desdobramento do “mundo real”, e os lugares dotados de vazios. A poesia se faz, a todo o tempo, num espaço de traço invisível; lugar inacabado que tende ao infinito e também, especialmente, lugar de sobrevivência no poema. Lugar este que torna a obra minha, e tua leitor”.
PREFÁCIO PARA UM LIVRO DE POEMAS
Al Berto
conheci um homem que possuía uma cabeça de vidro.
víamos – pelo lado menos sombrio do pensamento – todo o sistema planetário.
víamos o tremelicar da luz nas veias e o lodo das emoções na ponta dos dedos. o latejar do tempo na humidade dos lábios.
e a insónia, com seus anéis de luas quebradas e espermas ressequidos. as estrelas mortas das cidades imaginadas.
os ossos tristes das palavras.
a noite cerca a mão inteligente do homem que possui uma cabeça transparente.
em redor dele chove.
podemos adivinhar um chuva espessa, negra, plúmbea.
depois, o homem abre a mão, uma laranja surge, esvoaça.
as cidades (como em todos os livros que li) ardem. incêndios que destroem o último coração do sonho.
mas aquele que se veste com a pele porosa da sua própria escrita olha, absorto, a laranja.
a queda da laranja provocará o poema?
a laranja voadora é, ou não é, uma laranja imaginada por um louco?
e um louco, saberá o que é uma laranja?
e se a laranja cair? e o poema? e o poema com uma laranja a cair?
e o poema em forma de laranja?
e se eu comer a laranja, estarei a devorar o poema? a ficar louco?
e a palavra laranja existirá sem a laranja?
e a laranja voará sem a palavra laranja?
e se a laranja se iluminar a partir do seu centro, do seu gomo mais secreto, e alguém a esquecer no meio da noite – servirá o brilho da laranja para iluminar as cidades há muito mortas?
e se a laranja se deslocar no espaço – mais depressa que o pensamento, e muito mais devagar que a laranja escrita – criará uma ordem ou um caos?
o homem que possui uma cabeça de vidro habita o lado de fora das muralhas da cidade.
foi escorraçado.
e na desolação das terras, noite dentro, vigia os seus próprios sonhos e pesadelos. os seus próprios gestos – e um rosto suspenso na solidão.
onde mora o homem que ousou escrever com a unha na sua alma, no seu sexo, no seu coração?
e se escreveu laranja na alma, a alma ficará saborosa?
e se escreveu laranja no coração, a paixão impedi-lo-á de morrer?
e se escreveu laranja no sexo, o desejo aumentará?
onde está a vida do homem que escreve, a vida da laranja, a vida do poema – a Vida, sem mais nada – estará aqui?
fora das muralhas da cidade?
no interior do meu corpo? ou muito longe de mim – onde sei que possuo uma outra razão… e me suicido na tentativa de me transformar em poema e poder, enfim, circular livremente.
—
AL BERTO, “O Medo”. Lisboa: Assírio & Alvim, 4.ª Ed., Fevereiro, 2009. p. 649-650
Abaixo: um poema de Nina Rizzi indicado pela Revista Pessoa.
Ceciliana
por Nina Rizzi
escorre o óleo do mundo – lima
de rícino, refino
mínima grama ou toda
canteiro, fecundo
a poesia é de quem
precisa, disse o carteiro
lhe ria, além a lama
ternas de exílio e poda
te revisito, o mundo – olha
entre as pernas.