OS GENÉSIOS, POR NINA RIZZI

O Genésio é meu aluno da pós. Deve ter uns 60 e tantos anos.

E o Genésio chegou atrasado na aula porque tava fazendo hemodiálise.

E mesmo cansado, com sede, picado, dolorido e atrasado foi à aula ontem, um sábado ardido da cidade-solar.

E o Genésio me levou este presente: “Feliz Dia dos Pais, professora!”

nina rizzi

.

Um salve pra todos os Genésios que lutam dia-a-dia pra ser o que querem, pra ser o melhor que podem; que são pais, que podiam ser, que queriam ser, que virão a ser.

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Mil noites e um abismo

por Nina Rizzi

abrianina

Há dez anos, talvez isso quase isso, conhecia Voz de Adriana Godoy. Era uma época boa quando as pessoas se visitavam e era como ter uma cadeirinha de balanço na varanda ou na janela ou na rua e a gente falava e os meninos brincavam e era boa a vida assim de se visitar quando se quer e uma florzinha no cabelo e eu joguei uma flor amarela de Adriana pra Yemaya, comovidas as duas, tanta água, tanto mar, tanto sal, tanta vida, que mesmo fodida, sobrevive e vive e é também beleza.

Beleza. Esse livro lindo que finalmente chega em papel, que me tem aos olhos com sua escrita pungente, e, o que mais se não uma escrita, uma escrita de verdade?

E como não bastasse com ilustrações do teu guri que como bem disse o Marcos Satoru “o Rafael Godoy tem o dom mesmo, tudo que ele desenha parece obra prima, e ele é obra tua.”

De verdade e – acaso? – sua verdade me chegar hoje, quando pensava o que é a dor, essa outra dor muito mais dentro, numa mulher-noite, numa mulher-abismo?

Todas as rosas mais rosas como um caminho para você caminhar essa nova estrada, Adriana – poética e pessoal.

E fico agora, mais uma vez e sempre outra vez agora no banquinho ao lado da cama sem cabeceira:

talvez o último poema ou o velho buk tinha razão

para nina rizzi

não eu não respiro poesia nem vivo por ela
não me sinto poeta nem outra coisa que o valha
vivo na rotina dos dias incansáveis
e às vezes fecho a janela para não ver a manhã
sou como tantas
talvez um pouco mais triste
e quando menos espero
sinto que as palavras vêm
e tenho que escrevê-las

mas isso não é poesia nem ser poeta
é tirar do café que tomo um gosto diferente
é olhar os carros na rua e pensar em poentes

e quando li nina hoje
me deu a sensação de que as palavras não viriam nunca mais
e olhar uma aranha na parede vai ser olhar uma aranha na parede
e nada mais

talvez esse não seja meu último poema
mas o velho buk sabia:

“se você está morto
você podia também ser enterrado
e jogar fora a máquina de escrever
e parar de se enganar com
poemas cavalos mulheres a vida:
você está entulhando a saída- portanto saia logo
e desista das
poucas preciosas
páginas.”

Nina Rizzi conquista Oropa, França e Bahia

Sem nenhuma ajuda do Brasil que declarou morte à Cultura, Nina Rizzi pela força do seu talento vai conquistando Oropa, França e Bahia.

Publicou poemas em diversas antologias nacionais e estrangeiras e nas revistas La Papa Ruchada (Argentina), Literatas (Moçambique) e Nova Águia (Portugal) .

Poemas do seu livro Tambores para n’zinga serviram de base para o curta-metragem Noturnos, de Carito Cavalcanti e Joca Soares.

Outra revista de literatura lusófona: Pessoa faz

Uma simples pergunta a queima-roupa

Para você, Nina Rizzi, qual o poema mais importante da língua portuguesa?

por Carlos Henrique Schroeder

 

Nina Rizzi, foto revista Pessoa

Nina Rizzi, foto revista Pessoa

Convidamos a poeta, historiadora e tradutora Nina Rizzi para responder em poucas palavras qual poema para ela é um monumento, um rio e um mar. Rizzi publicou Tambores pra n’zinga (poesia; 2012), Susana Thénon: Habitante do Nada (tradução; 2013), caderno-goiabada (prosa-ensaística; 2013) e A Duração do Deserto (poesia; 2014).

Abaixo seguem a justificativa de Rizzi e o poema escolhido:

“A tarefa não é nada fácil: num laio passam sob meus olhos e memória os arrebatamentos com grandes e grandessíssimos monumentos da língua portuguesa, clássicos/ contemporâneos. Até que me decido por Al Berto, com poemas que poderiam ter sido escritos por um português, um esquimó, um extraterrestre do ano 3058.

Com a angústia de quem atravessa um campo de neve, o poeta é um obcecado pela linguagem e o discurso poético; busca viver no poema, lugar onde inevitavelmente o silêncio oferece a única saída da armadilha linguística. Vemos os lugares uns sobre os outros, um dentro do outro, onde os sujeitos do poema transitam e a estratégia de sobrevivência deles no poema passa a ser habitar um desdobramento do “mundo real”, e os lugares dotados de vazios. A poesia se faz, a todo o tempo, num espaço de traço invisível; lugar inacabado que tende ao infinito e também, especialmente, lugar de sobrevivência no poema. Lugar este que torna a obra minha, e tua leitor”.

PREFÁCIO PARA UM LIVRO DE POEMAS

Al Berto

conheci um homem que possuía uma cabeça de vidro.

víamos – pelo lado menos sombrio do pensamento – todo o sistema planetário.

víamos o tremelicar da luz nas veias e o lodo das emoções na ponta dos dedos. o latejar do tempo na humidade dos lábios.

e a insónia, com seus anéis de luas quebradas e espermas ressequidos. as estrelas mortas das cidades imaginadas.

os ossos tristes das palavras.

a noite cerca a mão inteligente do homem que possui uma cabeça transparente.

em redor dele chove.

podemos adivinhar um chuva espessa, negra, plúmbea.

depois, o homem abre a mão, uma laranja surge, esvoaça.

as cidades (como em todos os livros que li) ardem. incêndios que destroem o último coração do sonho.

mas aquele que se veste com a pele porosa da sua própria escrita olha, absorto, a laranja.

a queda da laranja provocará o poema?

a laranja voadora é, ou não é, uma laranja imaginada por um louco?

e um louco, saberá o que é uma laranja?

e se a laranja cair? e o poema? e o poema com uma laranja a cair?

e o poema em forma de laranja?

e se eu comer a laranja, estarei a devorar o poema? a ficar louco?

e a palavra laranja existirá sem a laranja?

e a laranja voará sem a palavra laranja?

e se a laranja se iluminar a partir do seu centro, do seu gomo mais secreto, e alguém a esquecer no meio da noite – servirá o brilho da laranja para iluminar as cidades há muito mortas?

e se a laranja se deslocar no espaço – mais depressa que o pensamento, e muito mais devagar que a laranja escrita – criará uma ordem ou um caos?

o homem que possui uma cabeça de vidro habita o lado de fora das muralhas da cidade.

foi escorraçado.

e na desolação das terras, noite dentro, vigia os seus próprios sonhos e pesadelos. os seus próprios gestos – e um rosto suspenso na solidão.

onde mora o homem que ousou escrever com a unha na sua alma, no seu sexo, no seu coração?

e se escreveu laranja na alma, a alma ficará saborosa?

e se escreveu laranja no coração, a paixão impedi-lo-á de morrer?

e se escreveu laranja no sexo, o desejo aumentará?

onde está a vida do homem que escreve, a vida da laranja, a vida do poema – a Vida, sem mais nada – estará aqui?

fora das muralhas da cidade?

no interior do meu corpo? ou muito longe de mim – onde sei que possuo uma outra razão… e me suicido na tentativa de me transformar em poema e poder, enfim, circular livremente.

AL BERTO, “O Medo”. Lisboa: Assírio & Alvim, 4.ª Ed., Fevereiro, 2009. p. 649-650

Abaixo: um poema de Nina Rizzi indicado pela Revista Pessoa.

Ceciliana

por Nina Rizzi

 

escorre o óleo do mundo – lima

de rícino, refino

mínima grama ou toda

canteiro, fecundo

a poesia é de quem

precisa, disse o carteiro

lhe ria, além a lama

ternas de exílio e poda

te revisito, o mundo – olha

entre as pernas.

Visões d’amor (& amizade) 3

muro

O amor não tem muro que separe. O verdadeiro amor vence o tempo e o espaço. Não tem essa obrigação ou lei ou costume de ser da mesma tribo, da mesma cor, da mesma faixa etária, da mesma classe social, da mesma religião, do mesmo gênero e outros mesmismos. O amor é livre.
Talis Andrade

 

A TECNOLOGIA SEPARA AS PESSOAS?

Depende de como é usada. Em poucas semanas no face, reencontrei amigos, me aproximei de muitas pessoas que admiro, fiz centenas de novas amizades. Ontem, que para mim ainda é hoje, pois só chego amanhã (trabalhando, registre-se) recebi aqui tantas manifestações de carinho, tantas palavras bonitas, tantos incentivos que posso dizer foi o aniversário mais curtido da minha vida (desculpem o trocadilho, foi sem querer).
Viva a tecnologia que aproxima as pessoas.
Graças à internet, você só é uma ilha se quiser.
José Nivaldo Júnior

 

Todos os amigos são especiais, os de ontem, os de hoje, os de sempre.
Amigos de longa data, amigos feitos numa troca de olhar ou e mail.
Amigos cujas palavras soam como torrões de açúcar ou como trovoadas.
Amigos que partiram, amigos que sucumbiram as vicissitudes da vida…
A todos os amigos o meu bem querer, que ele jamais se esgote.
Núbia Nonato

 

MEDIDA

A medida do amor é ser deserto

e retomar a ausência inicial

de parte da memória devorada

do inconsciente profundo

axial

porque o real do amor é fragmentar-se

No decorrer do ciclo indefinido

em espirais do tempo diluído

à lembrança inconsútil

desvelar-se

Terêza Tenório

 

para-estar-junto

 

metaplágio para mítienka, em lugar de carta

enamorei-me

parece fizemo-nos sofrer mutuamente
mas tudo acabou. saindo
rebentei em riso e ainda
agora penso nisso muito alegremente

mas como podia eu saber
que não queria nenhum pouco?

é entretanto a pura verdade

como gostava e gozava tal amor!
como lhe quero bem ainda!
parto sem pesar! ah que saudades eu sinto!
mas talvez isso seja fanfarronice minha

há tanto tempo que te amo
talvez… não fosse amor […]

Nina Rizzi

 

Nina Rizzi, por Talis Andrade

Nina Rizzi, por Talis Andrade

Chão de Estrelas
Minha vida era um palco iluminado
Eu vivia vestido de dourado
Palhaço das perdidas ilusões
Cheio dos guizos falsos da alegria
Andei cantando a minha fantasia
Entre as palmas febris dos corações
Meu barracão no morro do Salgueiro
Tinha o cantar alegre de um viveiro
Foste a sonoridade que acabou
E hoje, quando do sol, a claridade
Forra o meu barracão, sinto saudade
Da mulher pomba-rola que voou
Nossas roupas comuns dependuradas
Na corda, qual bandeiras agitadas
Pareciam estranho festival!
Festa dos nossos trapos coloridos
A mostrar que nos morros mal vestidos
É sempre feriado nacional
A porta do barraco era sem trinco
Mas a lua, furando o nosso zinco
Salpicava de estrelas nosso chão
Tu pisavas os astros, distraída,
Sem saber que a ventura desta vida
É a cabrocha, o luar e o violão
Sílvio Caldas

 

 

 

 

Visões d’amor (frases, poesia e música) 1

O espelho, por Fairfield Porter

O espelho, por Fairfield Porter

 

Só depois que a tecnologia inventou o telefone, o telégrafo, a televisão, a internet, foi que se descobriu que o problema de comunicação mais sério era o de perto.
Millôr Fernandes

Renda-se, como eu me rendi. Mergulhe no que você não conhece como eu mergulhei. Não se preocupe em entender, viver ultrapassa qualquer entendimento.
Clarice Lispector

Temos a mania de achar que amor é algo que se busca. Buscamos o amor nos bares, na internet, nas paradas de ônibus. Como num jogo de esconde-esconde, procuramos pelo amor que está oculto dentro das boates, nas salas de aula, nas platéias dos teatros. Ele certamente está por ali, você quase pode sentir seu cheiro, precisa apenas descobri-lo e agarrá-lo o mais rápido possível, pois só o amor constrói, só o amor salva, só o amor traz felicidade.
Martha Medeiros

Equação do amor

Fico pensando o que é amor.
Como se fosse algo definível.
Façamos uma equação, uma fórmula:
amor é isso mais isso mais isso.
E, provavelmente, menos um milhão de aquilos.
Amor é mensurável em quilos.
Amor é bebido em litros.
Amor é vendido em liras.
É cantado em versos líricos.
Mas eu queria despi-lo de todo o idealismo
de toda a magia que os poetas
– sempre culpados! – construíram.
Queria ser capaz de pensá-lo
e senti-lo
com a praticidade e a realidade
dos velhos ou de novelas tolstoianas.
Negando o poema, eu queria amar.
Render-me à escravidão dos meus medos
(ou meus medos da escravidão)
e sentir por um instante a certeza
(absoluta, plena, sublime)
de que todo o meu organismo
a corrente sangüínea, as trocas de gases,
os ácidos gástricos, as sínteses protéicas
formando memórias
alimenta-se de um combustível
quase sobrenatural
e inegavelmente perene
que pode ter muitos nomes
fundidos em si, despersonalizando-o,
mas que nomeia-se, respeitosamente,
Amor.
Eu queria ter essa certeza
(suspendam-se as certezas!),
para ter a tranqüilidade
acima de todos os tempos verbais.
No entanto (é bom dizer),
talvez a dúvida seja
mais próxima do que seria o amor
se ele existisse.
Porque enche-o de vida.
Porque dizer eu-te-amo é banal,
é vazio – é o que todos fazem
Poetas ou não.
Amar com a sinceridade da dúvida
com a dor da incompreensão
e com a ambigüidade do ceticismo
é muito mais real.
Mais próximo de todos os deuses.
Cristina Moreno de Castro

O vermelho é a cor mais encarnada

Pode tirar meus sapatos, amor:
o frio já vem em vindo.
Nina Rizzi

saudade

MINHA ALEGRIA É TUA PELE LISA

Minha alegria é tua pele lisa
deslizar nela arranca gritos
de um prazer que estava ao desabrigo

Tropecei em muita carne morta e triste
antes de pôr a mão no teu seio
e minha doce água envolver-te

Um poema, por mais belo, não chega
onde aportamos, nus em pelo
com fogo nos olhos e línguas livres
a sentir o gosto salgado do amor

Por isso calo num gemido
e te derrubo com meus braços finos
Nei Duclós

O PACTO SAGRADO

Nem sob tortura
ou em juízo
podes violar
o sagrado pacto
do silêncio

Rasga o diário
mesmo que escrevas
em linguagem cifrada
coisas sem importância
como fez Beatrix Potter
por hábito e exercício

Nenhum lugar
é propício
para manifestar
uma jura de amor
Não esqueças
o divã dos psicanalistas
o confessionário
o auto-de-fé
convincentes armadilhas
dos atiradores de pedras

Certos segredos
incertos desejos
devem permanecer
bem trancados
a sete chaves
as chaves jogadas
no rio Jordão
Talis Andrade

THAÍS

Thaís, eu fiz tudo pra você gostar de mim
Ô, meu bem, não faz assim comigo não
Você tem, você tem que me dar seu coração

Meu amor, não posso esquecer
Se dá alegria faz também sofrer
A minha vida foi sempre assim
Só chorando as mágoas que não têm fim

Essa história de gostar de alguém
Já é mania que as pessoas têm
Se me ajudasse Nosso Senhor
Eu não pensaria mais no amor
Joubert de Carvalho

[Troquei o Ta-Hí da composição por Thaís
fica mais assim… Escute cantado por Nara Leão]

a menina e o gato, o gato e a menina

por Nina Rizzi

 

 

Gato

 clique para ampliar

 

1.
se eu fosse um gato
o silêncio habitava
meus gestos
precisos

[uma menina olha
corre e acaricia]

que importa a metafísica
o ranger dos dentes
se eu durmo o dia inteiro

2.
não é preguiça
lá fora faz chuva
arde a lua

[a menina quer
passear
não pode gostar
de estar só
porque não conhece
o lugar do mapa]

mas gato tem que levantar
lamber o leite derramado

 

—-

Tela Leonor Fini

 

Três poemas de Nina Rizzi e uma foto de El Maria

El foto 7

 

 

o vermelho é a cor mais encarnada


 

pode tirar meus sapatos, amor:

o frio já vem em vindo.

 

 

 

bandeiriana, pensando em sinhá d’amora

minha sala tântrica de dormir

à entrada da praia.

ali levanto, ali me deito:

marias oceânicas, maresias atlânticas.

sombras do futuro, lombras de luanda.

o teto e o pára-peito.

 

amores rizzíveis

a gente não transou no papicu aquele dia.

todos nos olhavam. perplexos

você só queria uma fotografia.

eu, poesia.

Poesia Nina Rizzi

Retrato El Maria

 

 

O outro, o duplo e a defesa do ser/estar fake

Não devemos confundir o fake com o duplo, o gêmeo, o outro, ou mesmo o hemafrodita como símbolo alquímico.

androgyne-aurora

In O Enforcado da Rainha, na página 136, publiquei o poema:

 

O INIMIGO

 

Como descobrir o inimigo

quando nunca saberemos

quem seguramente somos

Um corpo inteiriço

o eu único

ou o outro

o gêmeo o duplo

Nunca saberemos

quem realmente somos

qual o temerário o verdadeiro

Na controvertida dualidade

o passivo o ativo

o benigno o maléfico

o inocente o infesto

Nunca saberemos

quem realmente somos

 

Na internet o significado do termo fake é este: Uma palavra da língua inglesa que significa falso ou falsificação. Pode ser uma pessoa, um objeto ou qualquer ato que não seja autêntico.

Com as redes sociais, o termo passou a ser muito utilizado para designar uma conta na internet ou o perfil em uma rede social de alguém que pretende ocultar a verdadeira identidade. Aqui fake como pseudônimo. Usado nos livros de estréia de romancistas e poetisas no confronto com o patriarcado, a Santa Inquisição e o machismo. Ou qualquer escritor ou jornalista para escapar da perseguição política e do assédio judicial, notadamente em uma ditadura.

Da página da consagrada poetisa Nina Rizzi apresento como se fosse um debate:

Eu sempre imaginei um cara, pela poesia mesmo, e tudo ok até aí. E, para mim, se confirmou depois de uma entrevista n’O Chaplin. A inverosimilhança estava na grandiosidade de tudo: céus, Rimbaud, HH? E a bio e, por fim, a morte, a partir de um fato verídico e verificável nesses jornais sensacionalistas vide youtube…

Não, isto não é juízo de valor à poesia ou ao ser-fake – ainda que num ano foice como esse 2014, ‘ninguém merece chorar a morte de um fake no domingo de páscoa’, como bem disse M.

Mimi Verunschk: Querem criar fakes, que criem. Heterônimos mais que Pessoa, mas não criem nas pessoas vínculos afetivos com alguém que parece gente. Quando dão carne a alguém que é de plástico e depois anunciam sua morte de modo trágico não pensam nas lágrimas que caem ante a decepção que a verdade traz.

[palavras da minha amiga Ehre, que vinha acompanhando a produção de Nanda Prietto e que, como eu, desconfiou da morte trágica e sem notícias da imprensa de Poços de Caldas. Se Nanda Prietto errou em algo na composição da personagem foi em não dar verossimilhança à própria morte]

 

Sobre ser-estar fake, faço minhas as palavras de Cellina Muniz neste texto que adoro:

Celina Muniz/ Alice N.:

EM DEFESA DO SER/ESTAR “FAKE”

 

Em diversas ocasiões, em inúmeros artigos e comentários postados aqui no SP, de vários autores, tenho observado rastros de um discurso rancoroso a respeito dos chamados fakes (ou, como alguns preferem grafar “feiques”).

O que esse discurso enviesado sobre as assinaturas supostamente “falsas” me sugere é aquela velha atitude de nomear condutas e comportamentos sob a batuta clássica do bom x mau, ou, em outras palavras, do certo x errado, ou ainda do feio x belo. Mas em vez de cairmos logo nesse juízo de valor simplista e redutor (usar um fake é certo ou errado?), não seria mais interessante pensar a respeito desse fenômeno que ultrapassa segmentos de ação e esferas de comunicação e que reflete a pluralidade do ser?

Pensando a respeito, é fácil constatar que nem se trata de um fenômeno novo assim, embora o termo em si esteja atrelado às novas mídias e ao advento da internet, sem dúvida. O que pensar dos pseudônimos que permeiam diferentes e ilustres casos na literatura e no jornalismo? No Ceará, nos fins do século XIX, no divertido movimento literário conhecido como “Padaria Espiritual”, era regra ter uma outra alcunha, o que fez Antônio Sales assinar como Moacyr Jurema e Adolfo Caminha como Félix Guanabarino, por exemplo, nos textos que ocupavam as páginas do periódico “O Pão”. Aqui em Natal, falando ainda de periódicos, o jornal O Parafuso, que circulou de 1916 a 1917, trazia como redatores nomes como Dr. Seboso e K-Tispero. O nosso Carlão de Souza, pouco tempo atrás, por meio de sua prosa jornalística, transformou-se temporariamente em Linda Baptista e o reconhecido Nei Leandro de Castro já foi Neil e Nathália em algumas ocasiões/publicações…

E o que dizer dos apelidos, nomeações particulares, geralmente restritas aos círculos familiares e de amizade, cujos laços de afetividade não podem ser ditos pelos nomes convencionais? O poeta visual Falves Silva, tomando outro exemplo na cultura potiguar, registrou isso casualmente, quando escreveu o artigo “Quem diria? Falves Silva conheceu Cazuza”, ao indicar a maneira pela qual ele era chamado àquela época em que frequentava a banca do primeiro sebista da cidade (aliás, também conhecido por um apelido): o poeta em processo, quem diria, também é Fransquim!

Pseudônimos, apelidos, fakes, todos me parecem indicar que, para além das dicotomizações (de tradição socrático-platônica, aliás), o ser não cabe numa persona só. Por isso, somos máscaras, conforme o estar sendo. E poderíamos passar o dia pensando em outros casos, de Fernando Pessoa e seus heterônimos aos alter egos de Bukowski (com seu Chinaski) ou Fante (com seu Bandini) etc. etc… Insistir em julgar o mundo sob as lentes de polarizações que aprisionam o humano numa essência una e natural é fechar os olhos para toda essa diversidade que se manifesta em todas as esferas, artísticas ou não.

Quem discorre muito bem sobre isso, no âmbito da reflexão acadêmica, é Michel Maffesoli (que, aliás, vem a Natal em setembro), quando propõe a lógica da “identificação” no lugar da defasada lógica da “identidade”. Cito: “(…) a lógica da identificação põe em cena “pessoas” de máscaras variáveis, que são tributárias do ou dos sistemas emblemáticos com que se identificam” (MAFFESOLI, M. “No fundo das aparências”. Tradução de Bertha Gurovitz. 3 ed. Petrópolis, SP: Vozes, 2005).

Escritores, grafiteiros, professores, internautas, donas de casa, leitores do Substantivo Plural, vários são os tipos que mostram, de fato, como somos vários e como exercemos nossa variedade por meio de pseudônimos, apelidos, fakes. Circulamos por diferentes campos de ação e traçamos diferentes relações de pertencimento com determinados grupos e comunidades. Negar essa polifonia e insistir em rotular esse fenômeno sob o par “verdade x mentira” é negar a complexidade da vida e do mundo, vasto mundo.

Talis Andrade: Também adorei. Os dois romancistas brasileiros que mais admiro também podem ser citados por Celina Muniz.

Moacir Japiassu tem um auto-ego: Janistraquis. Urariano Mota, na internet, sempre aparece com o nome Frederico Jimeralto.