A solidão nenhum deus vigia. Seis poemas inéditos de Talis Andrade

Christian Vincent

Christian Vincent

 

POR TRÁS DO ESPELHO

Há muito tempo
me fragmento
por trás do espelho

Há muito tempo
não me animo
sair para rua

O isolamento vicia

Há muito tempo
se aparecesse
uma companhia
não saberia
compartir
os espaços
do dia

Há muito tempo
o tormento
de um isolamento
que nenhum deus vigia

.

 SEMPRE PERTO E LONGE

Qualquer parte
do meu corpo
atingida por estranhos
minha mãe
lavava com água
gelo e neve
Minha mãe
esterilizava com álcool

Livre dos contágios
meu corpo
foi ficando
frio como o gelo
puro como a neve

Para continuar imune
passei a não deixar
fossem tocadas
as partes íntimas
do meu corpo

Fui me distanciando
me distanciando
e assim ando
sempre longe
de quem amo

.

FRIGIDEZ DE DAFNE

Insensibilizado corpo
de Dafne

O coração atingido
por uma flecha
uma flecha
com ponta de chumbo

Uma flecha de ponta
rombuda
de envenenado chumbo
frio e invernal

Insensibilizado corpo
insensibilizado coração
Um coração que não ama
um coração que não sangra
bate no peito
de um morto

.

      O INTOCÁVEL

Nasci intocável
como um judeu
forçado a exibir
costurada
nas vestes brancas
a marca amarela
de uma rodela

Nasci intocável
como um leproso
anunciando com um sino
a temida aproximação

Um leproso vestido
com comprida túnica
até os tornozelos
a comprida túnica
com um ele marcada
a túnica vermelha
com guizos pendurados

Nasci intocável
como um leproso
o rosto dissimulado
em um cônico capuz

.

O CORPO INTERDITO

A desdita de me consumir
no não-dito
na síndrome de pânico
no corpo interdito

A desdita de me consumir
no medo da entrega
no que poderia advir
além do muro

que ergui
entre eu e você
entre eu e o mundo

.

 EMPEDRADO CORPO

Insensível como uma pedra
um urso hibernando
insensível como uma pedra
um boi ruminando
paisagens cinzas e capim
não tenho olhos para o vôo de uma borboleta
não me encanto com o canto de um pássaro
não farejo o perfume de uma rosa
a rosa que revelaria o secreto jardim

Sou insensível como uma pedra
que cobre um cadáver
em um cemitério clandestino

Em alguma curva da vida
encruzilhada de despachos
uma bruxa me transformou em pedra
Uma pedra que não marca
nem desmarca
Simplesmente uma pedra
—-

Do livro inédito O Cantar das Pedras, de Talis Andrade

Bailarinas corporificam desafios da dança marginal e refletem o cotidiano de muitas brasileiras

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Dançar aquilo que se propõe a dizer. Reprimidas em praticamente tudo, mulheres entram em cena para uma mensagem sem diálogos relatando a censura sobre seus corpos, o julgamento sobre o que vestem, a culpa que a sociedade lhes impõe. Em cartaz no Teatro Elis Regina, em São Bernardo (ABC paulista), o espetáculo Turbante chega como um manifesto pela igualdade e terá apresentação única na noite desta quinta (18), às 19h30.

Em cena, duas bailarinas encarnam duas jovens negras e mães. Estas mulheres, de acordo com Rosi de Barros, bailarina e educadora do Nudanba – Núcleo de Danças Brasileiras, ‘corporificam os desafios da dança marginal e refletem o cotidiano de muitas brasileiras, provocando o espectador com movimentos repletos de significados, intrigantes simbologias que poderão causar sérios incômodos.’ Rosi também atua em Turbante, ao lado de Miriam Sena.

A bailarina conta que a ideia inicial, depois de o projeto ter sido contemplado num programa da prefeitura daquela cidade, era montar um espetáculo sobre as culturas populares brasileiras, objetivo que foi se transformando à medida que a produção avançava. “A obra transformou-se numa ‘biografia’ de tudo que vivíamos, do que ouvíamos das histórias de amigas, mães, cunhadas, irmãs. E assim foi. A ideia se lapidou em nossos corpos”

Primeira intervenção artística do grupo, Turbante enfrentou obstáculos no início de sua realização. “É um grande desafio criar um espetáculo que não tem absolutamente nenhum interesse comercial”, afirma Rosi. “No atual formato da Lei Rouanet ou do Proac (Programa de Ação Cultural), nenhum patrocinador vincula sua marca a uma arte polêmica como é a nossa produção. Durante a montagem ouvimos propostas do tipo: ‘este tema é muito pesado, só patrocinamos se vocês o mudarem.'”

Ainda segundo a artista, “a obra serve como instrumento de denúncia social e também para mostrar para o espectador como a dança contemporânea pode mudar positivamente a realidade de jovens, como é o caso do nosso elenco, formado por jovens negras e mães”, contou Rosi.

Rosi, que foi descoberta pelo consagrado Ivaldo Bertazzo, afirma ainda que o “espetáculo transita entre a delicadeza e a brutalidade, convidando o público para dialogar com as danças e brincadeiras populares, numa performance contemporânea que sensibiliza o olhar para o corpo feminino e suas diversas formas de opressão.”

Teatro Elis Regina na avenida João Firmino, 900, em São Bernardo do Campo. Telefone 11-4109-6262

Teatro Elis Regina na avenida João Firmino, 900, em São Bernardo do Campo. Telefone 11-4109-6262

Orides Fontela: Difícil para o pássaro/ pousar/ manso/ em nossa mão

POUSO (II)
por Orides Fontela

.

Difícil para o pássaro
pousar
manso
em nossa mão – mesmo
aberta.

Difícil difícil
para a livre
vida
repousar em quietude
limpa
densa

e ainda mais
difícil
– contendo o
vôo
imprevisível –

maturar o seu canto
no alvo seio
de nosso aberto
mas opaco

silêncio.

Terêza Thenório

Terêza Tenório

SONHOS POÉTICOS
por Talis Andrade

.

À Terêza Tenório

Um pássaro
imenso
pousa manso
nas mãos
de Orides Fontela

Um peixe
nas coxas
de Cecília Meireles

Um corpo
de argila iluminada
cega Edna St.Vincent Millay

enquanto Alfonsina Storni
aguarda o amado
ponha nas carnes
a alma que pelas alcovas
ficou enredada

Indóceis as mulheres velam
o amor fosse tão belo
quanto seus versos
O amor que arde
nas faces coradas
o amor que arde
nas entranhas orvalhadas
tivesse a pureza
de uma prece

Escute a música ou dance com FKA Twigs

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Tahliah Debrett Barnett (Gloucestershire, 16 de Janeiro de 1988), conhecida pelo nome artístico FKA Twigs é uma cantora, compositora, produtora musical e dançarina britânica.

Twigs lançou de forma independente seu primeiro EP, intitulado “EP1”, em 4 de dezembro de 2012. Ela postou um vídeo para cada faixa do EP no seu canal do YouTube. Em Agosto de 2013, twigs lançou o vídeo para o seu primeiro single, “Water Me” no YouTube. O vídeo foi dirigido por Jesse Kanda. No mesmo mês, o jornal “The Guardian” lista FKA twigs como “Nova Banda do Dia”, descrevendo ela como “o melhor exemplo para o Reino Unido até agora de um R&B etéreo e único.”

A criatividade à flor da pele de FKA twigs

Fra1

por Hilário Amorim/ jornal Público/ PT

É surpreendente, mas talvez revelador desta era, que um dos nomes que mais desperta a curiosidade sobre o NOS Primavera Sound 2015 seja de uma artista que afirmou o seu projeto musical em menos de três anos e fortemente sustentado na imagem vídeo. Fenómeno artístico de 2014 com a edição do álbum “LP1”, porém, foram os vídeos que apresentou para todos os temas dos seus dois EP anteriores que lhe granjearam larga atenção e culto.

Em 2013, com o videoclipe icónico de “Water Me” a gerar milhões de visualizações

e o de “Papi Pacify” outras tantas apreensões,

o corpo musical insinuava-se estranho e contorcido, mas também acolhia e seduzia. Contudo, o fascínio pela sua distinta derme visual despontou em meados de 2012 com este “Hide”

Quem o viu jamais esquece esta flor de tentação vídeo por uma então intitulada de twigs (as maiúsculas de “Formaly Know As” antecedem-lhe o nome só em 2013). A voz e o lento serpenteio da guitarra por entre o percutir do metrónomo era de uma sedução e hipnose que esta volúpia de cor e corpo só acentuava e impactava. Mais do domínio dos “visuals” que da convenção do videoclipe, no entanto, a aparente simplicidade da forma apenas revelava a sua vontade de abordar a complexidade do corpo e do ser feminino, e que a própria acabaria por estender a todo o seu programa videográfico. Todos eles seriam por si assinados ou em coautoria com outros criadores visuais. No caso deste, com Grace Ladoja. No caso da roupa que costuma apresentar em palco, ela também pensa em tudo, inclusive um casaco de lã que a dupla Marques’Almeida lhe fez. Fica mais esta curiosidade para confirmar apenas no nosso festival da relva, já que no do cimento catalão ela não vai estar.

Página de Thábatta Lorena

Em respeito a vaidade da dor, enlutei todos os espelhos da casa…

Aceitei as reticências.

 

Thábatta Lorena sobrancelha

Uma das minhas sombrancelhas é mais irônica do que eu.

 

inverno

Os invernos sempre me foram precoces.

***

Em respeito a vaidade da dor, enlutei todos os espelhos da casa… Aceitei as reticências.

***

… São corpos estranhos partilhando do meu suor e da minha saliva. A língua também concebe esquecimentos.

Todas as bocas que usei tinham como pretexto a luxúria da saudade.

impossibilidade

Sempre flertei com as impossibilidades.
O não provável me é afrodisíaco.

***

Causa mais frequente de traumatismos cranianos:
mergulhar fundo em pessoas rasas.

***

Talvez eu ainda esteja imersa neste útero gigante,
trêmulo ao se fazer atemporal em meses expiráveis.
Talvez eu ainda não esteja pronta para abandonar este mundo, fraudulentamente, seguro.
Embora eu esteja prestes.

útero

E quando me olha como quem me arranca as roupas
E quando me toca os dedos como quem me abarca as entranhas
E quando me beija a boca como quem me adentra o corpo
E quando me suga a língua como quem me descortina a alma
E quando me faz poesia como quem me queima a pélvis
E quando… Ah…

doutor

– E então, doutor, irei sobreviver?

 

In Facebook

Ballet mecánico

ballet ozias

 

Entran, se acoplan. Se funden en un cuerpo tornasolado, múltiple, despatarrado. Y luego cada uno sigue su ruta, hasta el agotamiento. Unidad, dispersión y desgaste se repiten como ciclo. Los cuerpos y sus engranajes están contenidos dentro de trajes metalizados que marcan sus movimientos con precisión indecente. Más que marcar, botonean. Tan en evidencia dejan el bulto y la silueta que, para agregar ambigüedad a sus cuerpos, los performers han tenido que echar mano de suspensores que retraigan y prótesis que redondeen. Son superhéroes andróginos. Y el resultado, un amasijo de hierro (la escultura alrededor de la que desarrollan las coreografías es de ese material), spandex y carne. Para uno de los intérpretes la escultura de metal es un espejo. Para otro, una fuga. Para otro es un gimnasio y una máquina sado. ¿Cómo se llama la obra? Bastante menos sugerente que los títulos elegidos en los tiempos en que Osías Yanov formaba parte del colectivo Rosa Chancho (Masaje a diez manos, Doble penetración), esta pieza se llama VI Sesión en el Parlamento. “Imaginen una lucha sin palabra mediante – dice Yanov –.

Un Congreso o una batalla donde las leyes o las ideas se pudieran discutir sólo con el lenguaje corporal. Sería un mundo ideal.”

Sin rostro ni sexo, se mueven desafiando la fatiga del movimiento repetitivo. Se hacen agua adentro de sus uniformes futuristas que los envuelven en la genealogía pop del catsuit, de Gatúbela a Britney Spears. Para Yanov el hecho de “que no se les vean las caras y que sean tan ambiguos impacta: en otras presentaciones, al final, se acercaban espectadores a los bailarines para preguntar: ‘¿sos hombre o sos mujer?’. Parece que es muy importante saber qué hay adentro.”. ¿Y quiénes son estos diez enmascarados? Cada uno viene de distintas disciplinas. Joinner Hoyos es un bailarín colombiano de voguing. Otros vienen de la danza contemporánea, de los boliches. “Max Vanns es un megafanático de Lady Gaga. Se aprendió todas sus coreografías. El trabajo con él fue sintetizarlas todas en una. Gastón Ledezma es drag de la fiesta Whip. A Gastón Osiris lo conocí arriba de un parlante. Me acerqué con una tarjetita y le dije que estaba preparando una obra. Hice lo mismo con otros pero todos pensaron que era un levante.”

La obra tiene algo de estética de videoclip.

ballet 2

ballet

Ballet 3.0

ballet 3

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Hay un video que me impacta mucho, Booty, de Jennifer López e Iggy Azalea .

Dos diosas mostrándote el culo frenéticamente. Me enciende.

 

¿Pero ese fuego de quién es? ¿De ellas o mío? ¿Quién me robo el fuego? Supongo que el mercado. ¿Cómo reapropiarnos de esa vitalidad? La investigación con cada bailarín fue reformular todo ese mundo de poses que ellos traían, del boliche, de las drags, de la TV. Me acuerdo del recital Britney en La Plata: mezcló en una estructura del árbol de la vida, de la Cábala, a las diez Sefirot. Las hizo estallar por los aires. Ella, primero en moto, y de repente le salen alas y sale volando del escenario. En 15 minutos te pasea por Hollywood, la Cábala, la elevación del espíritu. Casi lloro. Son símbolos potentes. Eso es lo que me interesa del pop: la apropiación de los símbolos y qué puedo reapropiarme de una coreografía súper comercial.

Se escucha mucho que el arte y la danza contemporáneos son lenguajes tan cerrados en sí mismos que expulsan al espectador…

Más que hermetismo es especificidad. Si estás investigando profundamente algo puntual, el círculo de personas a las que les puede interesar es chico. La teoría queer es mi literatura de cabecera, desde donde pienso mis obras. Y por eso para mí es tan importante que semejante pensadora como Beatriz Preciado venga en junio a dar una charla en el Malba en el marco de esta obra. Igualmente es necesaria una mayor comunión entre espectador y obra. La conexión acá tal vez pase por el movimiento, por sentirlo en el cuerpo. No necesitamos ninguna bibliografía para experimentar eso. Acá está la opción de aproximarse de modo no tan “intelectual”. Hay diez bailarines pero la obra se completa cuando el espectador se empieza a mezclar con ellos, ve que están agitados, que transpiran y, sin darse cuenta, se contagia y se le escapa algún pasito. Página 12/ Argentina

Mudanças do corpo feminino ao longo da história (de acordo com este vídeo)

beleza

 

O BuzzFeed, a grande publicação especializada em conteúdo viral, criou o último sucesso na Internet sobre o discutidíssimo conceito da “beleza real”. No dia 26 de janeiro, publicou em sua conta do YouTube um vídeo de pouco mais de três minutos, de produção própria, que pretende mostrar a evolução dos tipos de corpo ideal ao longo da história, desde o ano 1292 A.C., até a atualidade. Conseguiu mais de 10 milhões de reproduções em cinco dias, somados aos outros seis milhões conseguidos no Facebook.

No vídeo, onze modelos, todas elas belíssimas para os cânones atuais, posam ao ritmo de uma canção contagiante, perfeitamente maquiadas e penteadas, vestindo somente um maiô branco que ressalta o propósito do vídeo: ensinar como o peso, largura dos quadris ou tónus muscular sempre foram conceitos variáveis.

As épocas e padrões do vídeo, que são desenvolvidos em um artigo dentro do BuzzFeed, são os seguintes:

Antigo Egito: Magreza, ombros estreitos, cintura alta, rosto simétrico

Grécia Clássica: Corpo cheio, pele clara

Dinastia Han: Cintura estreita, pele clara, olhos grandes, pés pequenos

Renascimento Italiano: Seios fartos, barriga curva, quadris cheios, pele clara

Inglaterra Vitoriana: Corpo cheio, cintura fina

Loucos anos 20: Peito plano, cintura indefinida, corte de cabelo Chanel, figura masculina

Idade de Ouro de Hollywood: Voluptuosa, silhueta de ampulheta, seios grandes, cintura fina

Anos 60: Magra, pernas longas e finas, físico adolescente

Época das supermodelos: Atlética, corpo esbelto mas com curvas, alta, braços torneados

“Heroin chic”: Extremamente magra, pele translúcida, andrógina

Beleza pós-moderna: barriga chapada, pele saudável, seios e nádegas grandes, “thigh gap (espaço que se forma entre as coxas)”

Há vários anos é normal que vídeos, textos ou fotografias que questionam os cânones de beleza atuais fiquem populares na Internet. A criação do BuzzFeed lembra muito o “100 anos de beleza em um minuto”, um vídeo que desde seu lançamento, em novembro, conseguiu mais de 19 milhões de reproduções e que recentemente teve um remake menos bem sucedido dedicado à beleza negra. El País/ Es

 

 

 

 

Cazuza, A via-crúcis do corpo

A VIA-CRÚCIS DO CORPO
por Cazuza

 

O homem pode ter suas fêmeas
Mulheres podem ter seus machos
Tudo é possível no amor
Só não volta a infância perdida
Só não nos livramos de morrer à toa

O amor pode não ter ciúme
A dor pode ser disfarçada
Mas a via-crúcis do corpo
Já foi há muito traçada

Meu Deus, estamos abandonados
E só nos resta matar
Meu Deus, como a vida é amarga
E doce como chocolate

Será que eu tenho um destino?
Não quero ter a vida pronta
Como um plano de trabalho
Como um sorvete de menta

Matei, mataria mil vezes
E mil vezes não me arrependeria
Quem mata por amor tem perdão
Porque o amor é a morte

A comida na mesa
Os vasos de jasmim
O corpo do ser amado
Enterrado no jardim

Deus, por que não me procuras?
Tenho sempre que ir a ti
Deus, estamos cansados
Está tudo desequilibrado

Meu crime é um crime comum
Minha infância está perdida
Não há nada demais em matar
O escroto que não te ama

A via-crúcis do corpo
O mundo caminha assim
A via-crúcis da alma
Essa nunca vai ter fim

 

Cazuza

 

RÉQUIEM PARA CAZUZA
por Talis Andrade

 

Cazuza se foi para a Grande Viagem
Certeira flecha atravessou-lhe o coração
o incidido coração de pajem
Certeira flecha atravessou-lhe o coração
de pássaro

O belo corpo amado pelos erômenos
o corpo desejado pelas ninfetas
cobriram de cravos brancos
e crisântemos
O corpo devorado pelas dores do mundo
encerraram em um esquife de chumbo

O esquife selado inumaram
em um jazigo de concreto
indestrutível impenetrável abrigo

O belo corpo tocado
por milhares de fãs
O corpo desfrutado
nos camarins
O corpo adorado
nos palcos e camarotes
O corpo sangrado
nos botequins
jaz prisioneiro
em um canteiro
de lixo atômico

Cazuza se foi
O coração de anjo
cortado em pedaços
Diante de tanta festa
nem parece a morte veio
armada de arco e flecha
Diante de tanta festa
nem parece a morte veio
roubar as maçãs de ouro
da juventude em flor

 

 

JUNTAS

por El Maria

 

 

carnes tremulas 2

carnes tremulas 3

carnes tremulas 1

 

Eu irei abrir suas juntas Rasgar sua pele E sentir a saliva atravessar como um rio nas margens dos dentes
A dor salgada na espinha
Frio gemido do instante capturado Como presa quente e ruidosa
Causar agonia paralisante Fazer as extremidades congelarem e adormecerem O ventre gritar, e contorcer
As entre anjas Fazer mensuras O peito dar saltos no teto Desossar
Abrir a fonte

 

Pedro Almódovar, Carne Trémula