O que me chama a atenção é um homem sozinho numa mesa,
nos seus cinqüenta anos bem morridos,
a entornar seu chope silenciosamente:
o homem do paletó cor de goiaba.
Necessariamente funcionário público,
na vizinhança da obesidade e do enfarte,
o homem do paletó cor de goiaba
tem cinco filhos, três netos,
uma mulher de barriga caída e varizes nos braços e nas pernas,
um apartamento de dois quartos no 12o andar do Edifício Flor de Laranjeiras
(financiado em 25 anos, com correção monetária, pelo BNH),
calos na sola do pé direito,
dentes cariados,
fígado inchado,
acessos semanais de asma brônquica,
uma sogra que encarna o dragão vomitador de fogo,
uma acentuada hipermetropia na visão esquerda
e bolsos furados.
E mais:
no morrer de cada dia,
o homem do paletó cor de goiaba
tem os ouvidos rasgados pelo barulho do trânsito,
sua sangue poluído de asfalto na repartição,
nas filas de ônibus e do INPS.
Entornando silenciosamente o seu chope,
o homem do paletó cor de goiaba
parece um boi.
Um boi.
Não o boi que pasta no campo,
mas o boi que vão levando ao matadouro.
—
Seleta de João da Mata