Canto Ângelo Monteiro, Clara Angelica e Carlos Pena Filho


(trechos)

7

O Recife de Ângelo Monteiro

o Recife que viveu em mim

e não o que eu vivi

De Clara Angélica

a metrópole libertina

Recife farta

sozinha

condenada à sedução

De Carlos Pena Filho

Recife cruel cidade

águia sangrenta leão

ingrata para os da terra

boa para os que não são

Desconfiada Recife

dos que nasceram aqui

que toda madrugada

se mata um a faca fria

se mata dois a tiros

se mata três na tortura

até que se elimine

o último da lista

da chacina

Poesia Alheia, in A Partilha do Corpo, p. 129

PRESENÇA DE LADJANE

por Ângelo Monteiro

Em meu poço de exílio
Tua imagem tombou serena. E o teu desenho
Em chamas é um bordado de dor
Sobre a turva claridade
Que as sobrancelhas ensombra

E que torna mais pretos
Os teus olhos de vidro,
Onde castelos trêmulos dançando
Pedem mãos que os protejam
Contra a noite frágil deles mesmos.

Vejo o meu paletó sobre os teus ombros
Como redoma ou manto
Te envolvendo: sou teu guia de sombra,
Teu fantasma. E leve, leve,
Dentro de mim prossegues caminhando.

Desperto o calor doce que me deste
Já antes de nascida.
E volto aos tempos virgens
Se socorro em tuas mãos tenras a chama
Da minha vida em fuga e sem saída.

Réplica perfeita
Do meu corpo no teu transfigurado.
Em doçura mudaste as linhas do meu rosto
Inquietado pelo sopro dos infernos,
Mas que busca em tua infância o amor perdido.