CANÇÃO
de Cecília Meireles

Pus o meu sonho num navio
e o navio em cima do mar;
– depois, abri o mar com as mãos,
para o meu sonho naufragar

Minhas mãos ainda estão molhadas
do azul das ondas entreabertas,
e a cor que escorre de meus dedos
colore as areias desertas.

O vento vem vindo de longe,
a noite se curva de frio;
debaixo da água vai morrendo
meu sonho, dentro de um navio…

Chorarei quanto for preciso,
para fazer com que o mar cresça,
e o meu navio chegue ao fundo
e o meu sonho desapareça.

Depois, tudo estará perfeito;
praia lisa, águas ordenadas,
meus olhos secos como pedras
e as minhas duas mãos quebradas

 

Cecília

 

 

A CECÍLIA MEIRELES
por Fabio Rocha

Cantos serenados
cruzam etéreos crepúsculos.

Nuvens douradas
pastam perfumes seculares
em seus altos caminhos.

Sonhos naufragados
atravessam espelhos, horizontes,
borbulham baixinho:

A poesia da rosa
é seu espinho.

 

 

 

Manuel Bandeira e Leo Lobos

O RIO
por Manuel Bandeira

 

manuel bandeira consoada

Ser como o rio que deflui
Silencioso dentro da noite.
Não temer as trevas da noite.
Se há estrelas nos céus, refletí-las.
E se os céus se pejam de nuvens,
Como o rio as nuvens são água,
Refleti-las também sem mágoa
Nas profundidades tranquilas.

.


SILENCIOSO DENTRO DA NOITE
por Leo Lobos

“Ser como o rio que deflui
silencioso dentro da noite”
Manuel Bandeira

Fluir, leve andar
descalço inflar lentamente os pulmões
pesar cada passo sentir
cada instante entrar
silencioso dentro
da noite
como se ela
fosses
tu

(Tradução de Adriana Zapparoli)

Silencioso dentro de la noche

Ser como o rio que deflui
silencioso dentro da noite
Manuel Bandeira (1886-1968)

Fluir, leve andar
descalzo inflar lentamente los pulmones
pesar cada paso sentir
cada instante entrar
silencioso dentro
de la noche
como sí ella
fueras
tu

A VOZ SECRETA DO AMOR ESCURO E A LUA DE GARCÍA LORCA

AI, VOZ SECRETA DO AMOR ESCURO

LORCA
Federico Garcia Lorca
(Tradução de Paulo Azevedo Chaves)

Ai, voz secreta do amor escuro!
ai, balido sem lãs! ai, ferida!
ai, agulha de mel, camélia partida!
ai, corrente sem mar, cidade sem muro!

Ai, noite imensa de perfil seguro,
montanha celestial de angústia erguida!
ai, cão nas entranhas, voz perseguida!
silêncio sem limite, lírio maduro!

Afasta de mim o gelo cálido do teu alento,
não queiras que eu me perca na profundeza
onde, sem fruto, gemem carne e firmamento.

Deixa o marfim do meu crânio com presteza,
apieda-te de mim, rompe meu desalento,
que também sou amor, que eu sou a Natureza!

 

A LUA DE LORCA

por Talis Andrade

 

Federico:
– Que tem teu divino
coração de festa

A menina:
– Tenho uma rosa
uma linda rosa
amarela

Federico:
– Ai menina
não se faça
tão bela

A menina:
– O sol
me fez assim
hoje é manhã
de primavera

Federico:
– Ai menina
a noite
uma longa noite
me espera

A menina:
– Triste sina tua
querer a lua
que no céu
sorri distante

Federico:
– Ai menina
muito mais triste
não saber
se de verdade
desejo a lua
como amante

 

 

Noturno de Ariano Suassuna

Ariano

Têm para mim Chamados de outro mundo
as Noites perigosas e queimadas,
quando a Lua aparece mais vermelha
São turvos sonhos, Mágoas proibidas,
são Ouropéis antigos e fantasmas
que, nesse Mundo vivo e mais ardente
consumam tudo o que desejo Aqui.

Será que mais Alguém vê e escuta?

Sinto o roçar das asas Amarelas
e escuto essas Canções encantatórias
que tento, em vão, de mim desapossar.

Diluídos na velha Luz da lua,
a Quem dirigem seus terríveis cantos?

Pressinto um murmuroso esvoejar:
passaram-me por cima da cabeça
e, como um Halo escuso, te envolveram.
Eis-te no fogo, como um Fruto ardente,
a ventania me agitando em torno
esse cheiro que sai de teus cabelos.

Que vale a natureza sem teus Olhos,
ó Aquela por quem meu Sangue pulsa?

Da terra sai um cheiro bom de vida
e nossos pés a Ela estão ligados.
Deixa que teu cabelo, solto ao vento,
abrase fundamente as minhas mão…

Mas, não: a luz Escura inda te envolve,
o vento encrespa as Águas dos dois rios
e continua a ronda, o Som do fogo.

Ó meu amor, por que te ligo à Morte?

Seleta de Thereza Rocque da Motta

SOL DE SEGUNDOS

Fagner Moura

Fagner Moura

Meu bem,
meu bem
acorde é dia,
lá fora,
agora,
já cantam,
levantam,
portas abrem,
sucos, sapos
na pele
impelem
as gotas
da noite.

.
————O sol,
à sombra das nuvens,
aponta,
espanta,
entorna,
adorna
as barcas
as marcas
da noite.

————-É dia na serra,
as murtas,
armadas,
murmuram
cansadas,
– chii,
a chuva
passou.

———–A noite sonha,
o dia
levanta,
vestido
já canta
sumindo
nas nuvens,
para ensaiar a entrada

do homem.Fagner Moura