No dia 29 de dezembro de 2014, publicou o jornal O Povo de Fortaleza:
Debilitado, poeta Mário Gomes é levado para hospital
O famoso andarilho cearense permaneceu durante dois dias seguidos em frente a bares do Dragão do Mar, onde não estava bebendo e nem se alimentando. No fim da tarde desta segunda, ele foi encaminhado para o IJF

Mika Holanda
O poeta andarilho Mário Ferreira Gomes, de 67 anos, foi encontrado desacordado, por dois dias seguidos, nos arredores do Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura (Praia de Iracema), no mesmo lugar, sem se alimentar e sem beber e, aparentemente, inconsciente.
Em entrevista ao O POVO Online, um amigo do poeta, o artista visual Tota, informou que Mário Gomes está com um problema na costela, sentindo muitas dores e se alimentando mal. “Eu estava alimentando ele, desde ontem, com água de coco, suco. Fiz até uma canja, mas ele não comeu quase nada”.
O Centro Dragão do Mar informou que acionou três vezes, desde o último sábado, 27, a ambulância que atende o equipamento para socorrer o poeta, mas em todas as tentativas ele se recusou a sair de lá e os socorristas não puderam retirá-lo sem a presença da família, com a qual não conseguiram entrar em contato.
Na quarta tentativa, Gomes cedeu e foi encaminhado, sem resistência, para o Instituto Doutor José Frota (IJF), onde está sendo atendido. “Ele não gosta de hospital, mas comigo e com a minha filha ele veio”, afirmou o amigo do poeta, que o acompanha na unidade de saúde. “Ele vai bater uma radiografia da costela e talvez vá para outro hospital. Isso afetou até a cabeça dele”, complementou o amigo.
Mobilização na rede
Algumas pessoas utilizaram o Facebook para alertar os demais usuários sobre o problema que Mário Gomes vinha enfrentando e para tentar encaminhar o poeta para algum hospital. Foi compartilhada, entre os usuários da rede social, uma imagem seguida da legenda: “Poeta Mário Gomes encontra-se caído em frente aos bares do Dragão do Mar. Não está se alimentando, nem bebendo. Compartilhem para que seja levado a um hospital”.
No dia 31, último dia do ano:
Poeta Mário Gomes morre aos 67 anos
O IJF divulgou, em nota, o estado de saúde do poeta.”O paciente chegou ao hospital em estado grave, desorientado, extremamente debilitado, com um quadro profundo de anemia”.
Mário Gomes foi encaminhado ao hospital somente na quarta tentativa de socorro, como explicou o artista visual Tota, amigo do poeta.
De acordo com a família do poeta, amigos e familiares tentam a liberação do corpo do poeta. Como Mário não portava nenhum documento, nem a família possuía, o corpo ainda não foi liberado.
Uma trajetória dedicada à poesia e à liberdade
De Lucas Mota – A trajetória de uma “vida dentro dos sapatos”, como a jornalista Ethel de Paula descreveu o modo de viver de Mário Gomes, em perfil publicado no O POVO, se encerrou. Mas, a lembrança e a memória vão guardar essa figura desalinhada, boêmia e poética no coração de admiradores do poeta da Praça do Ferreira. Por opção, ele preferiu largar qualquer apego pela ambição para viver livre em seu “escritório”: o Centro de Fortaleza.
O teatrólogo Oswald Barroso pode conviver com o “Poeta Descomunal” durante o tempo que morou próximo ao Dragão do Mar, local que foi bastante frequentado por Mário Gomes. “Ele gostava quando as pessoas o ajudavam daquele modo. Mário não abria mão do seu modo de viver. Ele queria que o ajudassem, mas para continuar daquela forma. Era uma opção de vida. Mário é um homem da rua, da vida e da poesia, largado de qualquer ambição. Botá-lo dentro de uma casa, seria prendê-lo”, relata Oswald, que ficou surpreso com o contato da reportagem ao informar sobre a morte do poeta.
Mesmo vivendo em situação de rua e miséria, Mário não abria mão da vaidade. Era comum avistar o andarilho poético pelas ruas do Centro, vestindo paletó sem gravata, sua marca registrada, e sapatos de bico-fino. “Para mim, ele é uma lenda urbana, um personagem da cidade imprescindível. Ainda vamos ver Mário Gomes perambulando por muito tempo. Está na lembrança. Ele é uma pessoa que viveu de uma maneira mais radical à poesia. Mário era consciente desse modo de vida e enveredou por esse caminho da maneira mais consequente. Embora vivesse na rua, ele tinha vaidades, principalmente, a poesia como motivo maior da existência”, completa o teatrólogo.
O vereador e futuro secretário da Cultura do Estado, Guilherme Santana (PT), lamentou a morte de Mário e enalteceu a figura do poeta para a cultura cearense. “A morte de Mário Gomes fecha um ano de muitas perdas na literatura e nas artes. Gabriel García Marquez, João Ubaldo Ribeiro, Rubem Alves, Ariano Suassuna e tantos outros que partiram e dedicaram, em vida, seu pensar a todos nós. Mas a arte é imortal. A nós cearenses cabe a devida reverência, cultivo e preservação da obra do Poeta Descomunal. Salve, Mário Gomes!”, disse Guilherme.
O “escritório” de Mário também sentiu o jeito andarilho do poeta. Em entrevista a jornalista Ethel de Paula, ele afirmou ter feito “17 viagens a pé ou de carona”. Filho de costureira e motorista, ele colecionou amigos em sua trajetória de sapatos, através da poesia, da boemia e da liberdade que nunca abriu mão.
“Como é gostoso esse Mário Gomes!”, dizia um de seus poemas. O boêmio de versos poéticos chegou a publicar oito livros de poemas publicados com a ajuda de “amigos endinheirados”, como relata Ethel de Paula. “A partir mesmo da estranheza e da dificuldade do ato de equilíbrio intrínseco à deriva de quem realizou seu destino praticamente sem apoio, nas franjas da cidade, como um declarado vagabundo, do tipo chapliniano. O errante, em Mário Gomes, diz sobre a falta de lugar no mundo de quem ousa andar na contramão, ou melhor, no “entre”, dentro, mas fora, em ziguezague existencial, persistindo em colar o que, no humano, se separou do animal – ou da ânima -, na colisão dos tempos”, descreve a jornalista sobre o poeta.
Enterrado na Parangaba
Ainda do jornal O Povo transcrevo:
O velório foi realizado por volta das 12h desta quinta, na Biblioteca Municipal Dolor Barreira, localizada na Avenida da Universidade, e teve a presença de artistas, poetas e autoridades, como o novo secretário de Cultura do Estado, Guilherme Sampaio (PT). Durante a cerimônia, amigos e familiares discursaram sobre o poeta, e poemas de Mário Gomes foram lidos.
O corpo do poeta Mário Gomes foi enterrado às 16h desta quinta-feira, 1º, no cemitério da Parangaba.
Vai com Deus, Poeta
Escrevi no Facebook, dia 31:
Cadê os secretários e funcionários das secretarias estadual (Ceará) e municipal (Fortaleza) de Cultura?
Onde eles gastam o dinheiro da Cultura?
Aqui no Recife, a Fundação de Cultura queima um milhão com fogos. Muita gente neste Brasil lava notas frias de gastos fantasmas com a Cultura para descontar no imposto de renda.
O poeta Mário Gomes morreu de fome. Para viver talvez tivesse uma aposentadoria por idade, no valor de um mínimo salário mínimo.
No Brasil ninguém se aposenta por velhice aos 60 anos, só quando idoso, depois dos 65 anos. Mário Gomes morreu aos 67 anos.
Sobram f.d.p. – marajás do executivo, Marias Candelária do legislativo e divindades do judiciário – que pretendem aumentar o tempo da aposentadoria por idade para os 70 anos, quando se é ancião.
Constitui dever do Estado conceder aposentadoria especial para cidadãos que prestaram relevantes serviços ao povo e ao Brasil. Principalmente para pessoas que se tornaram um mito, uma lenda, como artistas, poetas, jornalistas e educadores.
Aposentadoria especial continua um direito exclusivo dos lá de cima. Das castas, que no Brasil existem até pensões herdadas pelas filhas maiores em vagabundagem e safadeza nos três poderes da República.
Basta de lavar as mãos na bacia de Pilatos. Que o Poeta do Povo receba depois de morto as homenagens que não teve em vida.
François Villon, ladrão, ébrio e boêmio, morreu em 1463, antes da conquista do Brasil, e continua lembrado.
Quem no Ceará pode repetir Mário Gomes: “Numa esquina encontrei-me com Deus. E saímos abraçados: rindo e cantando”?