Noturno de Ariano Suassuna

Ariano

Têm para mim Chamados de outro mundo
as Noites perigosas e queimadas,
quando a Lua aparece mais vermelha
São turvos sonhos, Mágoas proibidas,
são Ouropéis antigos e fantasmas
que, nesse Mundo vivo e mais ardente
consumam tudo o que desejo Aqui.

Será que mais Alguém vê e escuta?

Sinto o roçar das asas Amarelas
e escuto essas Canções encantatórias
que tento, em vão, de mim desapossar.

Diluídos na velha Luz da lua,
a Quem dirigem seus terríveis cantos?

Pressinto um murmuroso esvoejar:
passaram-me por cima da cabeça
e, como um Halo escuso, te envolveram.
Eis-te no fogo, como um Fruto ardente,
a ventania me agitando em torno
esse cheiro que sai de teus cabelos.

Que vale a natureza sem teus Olhos,
ó Aquela por quem meu Sangue pulsa?

Da terra sai um cheiro bom de vida
e nossos pés a Ela estão ligados.
Deixa que teu cabelo, solto ao vento,
abrase fundamente as minhas mão…

Mas, não: a luz Escura inda te envolve,
o vento encrespa as Águas dos dois rios
e continua a ronda, o Som do fogo.

Ó meu amor, por que te ligo à Morte?

Seleta de Thereza Rocque da Motta

Em portos de desamor não se louvam as chegadas

[TRADUÇÕES DO MEDO]

amor violão mulher

por Elane Tomich

Olha, bem sei o segredo
das traduções do medo.
em qualquer canção e letra

O olho do amor que me espreita
tem uma relação estreita
com minha entrega e, decerto
nunca sei bem querer certo

O meu ombro ampara assombros
que alimentam meu espanto.
Já segurei muito escombro
em barras de despedidas
onde corpos ancorados
acenavam para as idas
que em portos de desamor
não se louvam as chegadas

De gente assim tão doída
mutilada e alquebrada
em histórias de saída
choravam em qualquer cor
Era um arco-íris de dor

O meu erro é de nascença
acerto em toda carência
não importa o cerne, a cadência
e planto em meu coração
cactos de amor deserto
suspenso entre o céu e o chão

Olha, bem sei o segredo
de qualquer canção e letra
em traduções do medo

AMOR IMPERFEITO

vênus

por Cassiano Ricardo

A perfeição
é um momento,
por demais claro.
Como repeti-la,
sem enfaro?
A perfeição,
se possuída
a todo instante
se faz rainha
suicida.

Quem já mediu
o perfeito,
rosa de prata,
mas em sua
medida exata?

Nada existe
sem o defeito
que lhe dá graça.
Só amo a graça
do imperfeito.

O perfeito
quando existe
tem o defeito
de ser triste.
(Lácrima Cristi)


Seleta de Paulo Peres

Atravessa o rio com um deus nos ombros

Wender Montenegro
Atravessa o rio com um deus nos ombros
[deus de fundas margens;
rio de ombros largos]
semeia nas águas a semente seca
de uma antiga raça
expulsa da barca
porque traficava sol e sal e sangue…
E um peixe-demônio come a voz do tempo
e o anzol do homem;
tinge de vermelho seu rio só lodo,
presente de um deus
que navega em seus ombros…


com imagem de Ettore Aldo Del Vigo

Canção de Amor

de Pablo Neruda

20

Posso escrever os versos mais tristes esta noite.


Escrever, por exemplo: “A noite está estrelada,

e tiritam, azuis, os astros lá ao longe”.

O vento da noite gira no céu e canta.

Posso escrever os versos mais tristes esta noite.

Eu amei-a e por vezes ela também me amou.


Em noites como esta tive-a em meus braços.

Beijei-a tantas vezes sob o céu infinito.

Ela amou-me, por vezes eu também a amava.

Como não ter amado os seus grandes olhos fixos.


Posso escrever os versos mais tristes esta noite. 

Pensar que não a tenho. Sentir que já a perdi.

Ouvir a noite imensa, mais imensa sem ela.

E o verso cai na alma como no pasto o orvalho. 


Importa lá que o meu amor não pudesse guardá-la.

A noite está estrelada e ela não está comigo.

Isso é tudo. Ao longe alguém canta. Ao longe.

A minha alma não se contenta com havê-la perdido.


Como para chegá-la a mim o meu olhar procura-a.

O meu coração procura-a, ela não está comigo.

A mesma noite que faz branquejar as mesmas árvores.

Nós dois, os de então, já não somos os mesmos. 


Já não a amo, é verdade, mas tanto que a amei. 

Esta voz buscava o vento para tocar-lhe o ouvido.

De outro. Será de outro. Como antes dos meus beijos.

A voz, o corpo claro. Os seus olhos infinitos. 


Já não a amo, é verdade, mas talvez a ame ainda.

É tão curto o amor, tão longo o esquecimento.

Porque em noites como esta tive-a em meus braços,

a minha alma não se contenta por havê-la perdido.


Embora seja a última dor que ela me causa,

e estes sejam os últimos versos que lhe escrevo.


In Vinte Poemas de Amor e uma Canção Desesperada