VALLE DE LOS CAÍDOS
Nas faldas da serra
de Guadarrama
Francisco Franco
ergueu majestoso cemitério
para a continuação
do pomposo reino
dos cadáveres mumificados
Em Guadarrama
mandou enterrar
velhas desamadas damas
de uma nobreza fantasma
generais e sacerdotes
angelicais torturadores
da Espanha de Torquemada
Em Guadarrama
o pequeno suserano
mandou enterrar
melancólica corte
de fanáticos seguidores
megalomaníaco intento
de no inferno possuir
os serviços prazerosos e sujos
de uma legião de servos
sevos aduladores
.
OPERAÇÃO CONDOR
1
Em uma ceia demoníaca
os generais do Cone Sul
aprovaram a Operação Con
dor cujas asas agourentas
selam a noite com chumbo
O conúbio dos generais
arranca do calor dos lares
artistas e intelectuais
para os interrogatórios imbecis
de cegos vampiros
as cabeças lavadas
nas apostilas da CIA
os cérebros curetados
pelas palavras-ônibus
dos pastores eletrônicos
2
Em sombrios porões
os massagistas atestam
os instrumentos de suplício
os massagistas adestram
os toques de fogo
arrancando unhas e gritos
espicaçando as últimas palavras
os nomes e codinomes
de um exército de fantasmas
um exército apenas existente
nas doentias mentes dos agentes
3
Em refrigerados gabinetes
os técnicos em interrogatórios
e informações estratégicas
trabalham noite e dia
na burocracia cívica
de selecionar os copiosos
relatórios dos espias
decifrar os depoimentos
tomados sob tortura
depoimentos escarnificados
na escuridão dos cárceres
depoimentos cantados
no limiar do medo
confissões soluçadas
nas convulsões da morte
.
O PODER
A justiça legaliza
a tortura
A igreja santifica
a tortura
Em uma ditadura
tudo se justifica
com uma nova lei
Em uma ditadura
tudo se abençoa
com uma missa
Em uma ditadura
apenas existem
os cúmplices
e os mortos
O AGIOTA
A cobrança um jogo
que requer paciência
rechego
Do agiota a obsessão
o desfrute da persistência
na perseguição
a destreza
de brincar de gato
coa presa
o prazer de excruciar
matar de pouquinho
bem devagarinho
como se fosse um carinho
O agiota suplicia
pelo gosto de sangue
Nos tempos de ditadura
apresenta-se como voluntário à polícia
para servir nos calabouços da tortura
Não é aferro de fanático
O agiota não tem bandeiras
não tem pátria nem deus
O agiota um cadáver que ama os cadáveres
A tortura um contato erótico
As lágrimas o sangue
a urina o excremento
são para o sevicia-
dor cheiros sabores
afrodisíacos alimentos
Quanto mais remorseado o corpo
sangrada a carne
intenso o desejo
o prazer
—
Poemas de Talis Andrade. Do livro inédito Selos do Apocalipse
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